O Presidente da República decidiu promulgar três leis aprovadas no Parlamento que o Governo queria que Marcelo Rebelo de Sousa vetasse ou enviasse para o Tribunal Constitucional. Em causa estão alargamentos de apoios sociais para famílias e trabalhadores independentes.
A decisão do Presidente foi anunciada este domingo à tarde, através do site da Presidência da República, onde Marcelo publica uma extensa justificação para a sua decisão, que contraria a vontade do Governo. E que aproveita para também enviar recados políticos sobre a necessidade de cumprimento da legislatura e de diálogo e consenso perante a crise pandémica.
O executivo de António Costa tinha pressionado o Presidente para que enviasse os diplomas para o Tribunal Constitucional, dando conhecimento de que tinha um parecer que suportava essa interpretação de que os apoios aprovados no Parlamento violam a norma travão que impede os deputados de aprovarem alterações à despesa. E, na sexta-feira, a ministra da Presidência admitiu ser o próprio Governo a recorrer ao TC.
Na sua justificação para a promulgação, o Presidente começa por escrever que “a adoção das medidas sociais aprovadas corresponde, em diversas matérias, na substância e na urgência, a necessidades da situação vivida”, apesar de admitir que estão “cobertas, em parte, por legislação do Governo”.
Por outro lado, o PR lembra que “as leis da Assembleia da República têm de respeitar a Constituição da República Portuguesa” e que “a Constituição proíbe, no seu artigo 167.º, n.º 2, que possam ser apresentadas, pelos deputados, iniciativas que impliquem aumento de despesas ou redução de receitas, em desconformidade com o Orçamento do Estado em vigor para o respetivo ano. Só o Governo pode fazê-lo, como garantia de que a Assembleia da República não desfigura o Orçamento que ela própria aprovou, criando problemas à sua gestão pelo Governo”.
Marcelo reconhece que “os três diplomas em análise implicam potenciais aumentos de despesas ou reduções de receitas”, mas apoia-se no facto de esses montantes não estarem definidos à partida e de vivermos tempos de incerteza para sustentar a sua decisão.
“O próprio Governo tem, prudentemente, enfrentado a incerteza do processo pandémico, quer adiando a aprovação do Decreto de Execução Orçamental, quer flexibilizando a gestão deste, como aconteceu no ano 2020”, argumenta o Presidente, depois de referir que os montantes implicados nas leis do Parlamento estão ”largamente dependentes de circunstâncias que só a evolução da pandemia permite concretizar”, pelo que deixam “em aberto a incidência efetiva na execução do Orçamento do Estado.
Marcelo admite que poderia ter enviado os diplomas para fiscalização preventiva, mas não o fez por ter encontrado uma “interpretação conforme à Constituição”. “Para o Presidente da República é visível o sinal político dado pelas medidas em causa, e não se justifica o juízo de inconstitucionalidade dessas medidas. O que, aliás, parece ser confirmado pela diversa votação do partido do Governo em diplomas com a mesma essência no conteúdo, ora abstendo-se ora votando contra”, escreve o Presidente.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, já reagiu no Twitter à decisão do Presidente e afirmou que "o país não compreenderia que o governo insistisse na redução do apoio a trabalhadores independentes e sócio-gerentes com atividade parada pela pandemia."
Recados políticos
A segunda parte da nota presidencial é dedicada a deixar recados políticos, com o Presidente a avisar Governo e oposição para que não optem por um clima de “afrontamento sistemático” perante a crise sanitária.
“O Presidente da República chama, de forma particular neste momento, a atenção para o essencial do presente debate. De um lado, não há Governo com maioria parlamentar absoluta, sendo essencial o cumprimento da legislatura de quatro anos. Do outro lado, os tempos eleitorais podem levar, por vezes, as oposições a afrontamentos em domínios económicos e sociais sensíveis, escreve Marcelo, que reclama para si a competência de “sublinhar a importância do entendimento em plenas pandemias da saúde, da economia e da sociedade”. E acrescenta que o faz de duas formas: “Sensibilizando o Governo para o diálogo com as oposições e tornando evidente às oposições que ninguém ganharia com o afrontamento sistemático, potencialmente criador de uma crise lesiva para Portugal e, portanto, para os Portugueses.”
Marcelo escreve que a sua preocupação é sempre “evitar agravar querelas políticas, em momentos e matérias sensíveis, o que é ainda mais evidente em situações extremas de confronto entre Governo minoritário e todos os demais partidos com assento parlamentar, situações essas que aconselham, de parte a parte, a concertação de posições e não a afrontamento, sobretudo numa crise tão grave, a exigir espírito de diálogo e não espírito de dissensão ou discórdia, e muito menos um clima de crise política, a todos os títulos indesejável”.
O Presidente lembra que, no caso destas três leis, “como é óbvio, dispõe o Governo do poder de suscitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos diplomas agora promulgados, como já aconteceu, noutros ensejos”. “É a Democracia e o Estado de Direito a funcionarem”, acrescenta. Mas avisa: “Para o Presidente da República é visível o sinal político dado pelas medidas em causa, e não se justifica o juízo de inconstitucionalidade dessas medidas”.