Até agora, a única grande instituição portuguesa a revelar coragem e modernidade na gestão dos casos de abuso sexual é a igreja. Foi a igreja que abriu as suas portas a uma comissão independente.
Se calhar, muitos pensaram que isso era um risco. Não, não é. O risco era ficarmos com o status quo inalterado; iria infectar. É preciso limpar o que há a limpar, rever o que há a rever, pedir perdão a quem é preciso pedir perdão, punir quem é preciso punir, é preciso recomeçar, que sempre me pareceu o verbo mais cristão. Perante a dimensão das denúncias, havia de facto um problema e agora há que andar para a frente com a consciência de que a igreja é a única instituição portuguesa que reagiu com transparência a este tema. Os católicos podem e devem ter orgulho na transparência que a sua igreja, com todos os seus erros humanos, revelou.
Basta comparar a coragem da igreja católica com a cobardia da faculdade de direito, que, aparentemente, está só à espera que a tempestade passe. Esta faculdade, que ensina a transparência do estado de direito, não teve ainda a transparência necessária para abrir as suas portas a uma comissão independente que escute quem tem medo de falar e que faça as perguntas certas, independentemente do poder de quem é o destinatário das perguntas. Não só não abriu as portas, como está submersa numa obscura troca de bolas em juridiquês entre professores.
Miguel de Lemos - professor assistente convidado e defensor do mecanismo específico de denúncia e que recebeu as queixas que despertaram este caso – sabe que lhe foi levantado um processo disciplinar porque disse que um outro professor colocou pressão junto da Associação Académica para que não se falasse em público do caso. Em conversa com alunos, esse outro professor terá usado expressões como “veja lá se não se prejudica”, “tenha cuidado, há coisas de que é melhor não falar”. O nome deste outro professor é Miguel Teixeira de Sousa, ficou ofendido, diz que é mentira e por isso exigiu um procedimento disciplinar contra Miguel Lemas por “violação de deveres de correção e ofensa à honra”. A cúpula da faculdade concordou e nomeou um instrutor externo para conduzir este processo disciplinar contra Miguel Lemos.
Repare-se portanto na diferença: a igreja nomeou uma comissão externa para limpar de facto os abusos; a faculdade de direito de Lisboa nomeou um instrutor externo para liderar um processo disciplinar ao professor mais crítico da faculdade e mais ligado às queixas das alunas. A igreja encarou o problema de frente. A faculdade de direito está presa ao diz-que-se-disse processual entre professores. A igreja percebeu o século em que está, a faculdade de direito ainda não.