Terminaram esta quinta-feira quatro dias intensos para duas delegações do Parlamento Europeu, que foram à Turquia ver de perto como se faz o acolhimento aos refugiados.
Em conversa com a Renascença, acabado de regressar a Lisboa, o eurodeputado do PSD José Manuel Fernandes recorda a parte da agenda mais "perturbadora": a passagem pelo campo de refugiados de Osmaniye, na região de Gaziantep, que alberga 9.500 refugiados distribuídos por duas mil tendas. "Obriga-nos a pensar sobre os próprios objectivos que temos para a vida, a sorte que temos em estar na União Europeia e em Portugal, a paz, que nem sempre valorizamos", afirma.
Mas o que mais chocou o co-relator do orçamento da União Europeia (UE) para 2016 foram os ecos que lhe chegavam do outro lado da fronteira. A cidade síria de Alepo, que está debaixo de fogo de forças governamentais sírias e russas e na iminência de ficar cercada, fica a pouco mais de 200 quilómetros do campo de Osmaniye.
"Há sírios em Alepo que estão a ser bombardeados de todos os lados, há uma série deles que estão a querer entrar e estão junto às fronteiras turcas". São já mais de 50 mil que se acumulam do outro lado da fronteira, mas, apesar dos vários apelos da comunidade internacional, o Governo de Ancara tem mantido as portas fechadas.
Das reuniões que a comitiva manteve com membros do Governo turco, embaixadores e as principais organizações não-governamentais (ONG) na Turquia, José Manuel Fernandes regressou com a sensação de que "neste momento não há nenhum plano para abrir as fronteiras, [mas] há um plano para ajudar os 2,6 milhões de refugiados que estão na Turquia".
O eurodeputado recorda que "na Síria estão mais de 11 milhões de pessoas a viver em situações desumanas, na penúria, e vão tudo fazer para dali sair". Admite que "face aos bombardeamentos russos, a situação vai-se agravar."
Quatro dias longe do edifícios espelhados do Parlamento Europeu deram-lhe uma noção que nenhum relatório pode reproduzir. "A urgência que eu constatei e que não tinha interiorizado são aqueles milhões que ainda estão do lado da Síria, a viver em situações de penúria e em muito maior dificuldade do que aqueles que estão do lado da Turquia, e esses não me saíram do pensamento."
O eurodeputado social-democrata lamenta ver "a comunidade internacional a assistir a isto impávida e serena". Sustenta que "a UE procura minimizar as consequências, mas é urgente ir às causas e acabar com a guerra da Síria", admitindo, contudo, que o problema não é de solução fácil, dada a complexidade de forças e "interesses" em jogo.
O risco de "uma geração completamente perdida"
Integraram a visita de quatro dias duas delegações do Parlamento Europeu - a comissão de liberdades civis e a dos orçamentos, à qual José Manuel Fernandes pertence. Esta última queria verificar especificamente "como estão a ser aplicados os fundos [europeus] que têm sido dados em termos de ajuda humanitária" e perceber como se pode "melhorar a coordenação face ao número de entidades que estão no terreno".
O eurodeputado português, coordenador do Partido Popular Europeu (PPE) na comissão dos orçamentos, reconhece o esforço feito pelo país até ao momento. "A União Europeia disponibilizou-se para ajudar [a Turquia] com 3 mil milhões de euros para os refugiados. O montante parece exagerado, mas nós temos que perceber o esforço que a Turquia já tem feito. Já investiu mais de 7 mil milhões de euros " na recepção de sírios.
Na passagem pelo campo de Osmaniye, a delegação conheceu várias famílias que estão ali desde 2012. "Encontrei médicos, veterinários, professores universitários, que o que querem é regressar. Na Síria estavam bem e tinham tudo. É evidente que em cada uma daquelas pessoas vemos os nossos filhos, a nossa esposa, a nossa família…".
Desde 2012, já nasceram mais de 900 crianças e morreram mais de 140 pessoas naquele campo. Em toda a Turquia, onde estão neste momento mais de 2,5 milhões de refugiados, nasceram mais de 150 mil crianças desde o início do conflito. "É necessário construir escolas, porque se não apostarmos na educação daquelas crianças o desastre será ainda maior e teremos uma geração completamente perdida. Há 300 mil crianças sírias nas escolas com professores sírios, mas há 500 mil que não estão".
"Temos a obrigação de ajudar e é uma situação que convoca toda a humanidade", remata o eurodeputado.