O lançamento de dezenas de candidaturas indígenas no Brasil nas eleições de 2022 faz parte de um movimento que pretende formar bancadas em defesa da terra e das florestas no Congresso e nos estados brasileiros, explicou à Lusa Sónia Guajajara.
"O que fez aumentar essa participação indígena na política brasileira em 2022 foi uma decisão do próprio movimento indígena e um chamado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) para essa disputa eleitoral entendendo que é importante ter uma representatividade indígena nos espaços de decisão", disse Guajajara, líder indígena e candidata a uma vaga na câmara baixa do Parlamento brasileiro.
"O Congresso Nacional é o espaço que toma todas as decisões sobre os direitos. Seja para ter direitos ou para retirar direitos, então nós entendemos que era hora de aumentar a representatividade no Congresso e também garantir representatividade nas Assembleias legislativas" dos estados, acrescentou a ativista, escolhida entre 100 personalidades mais influentes do mundo pela revista norte-americana Time em maio passado.
Ao longo de sua história republicana, o Brasil teve apenas dois parlamentares indígenas: Mário Juruna, eleito na década de 1980 quando o país fazia a transição da ditadura militar (1964-1985) para a democracia e a deputada federal Joenia Wapichana, eleita em 2018.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 186 candidatos se autodeclaram indígenas no país neste ano, o maior número registado desde 2014 quando a justiça eleitoral passou a coletar este dado e contabilizou 84 candidaturas indígenas. Em 2018, o número subiu para 134.
Dados do TSE indicam que 176 candidatos indígenas disputam cargos legislativos: 59 tentam uma das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados e 4 buscam ocupar uma das 27 cadeiras que serão renovadas no Senado.
Outros 113 candidatos indígenas buscam eleição para as Assembleias legislativas dos 27 estados brasileiros.
A eleição parlamentar no Brasil ocorrerá na primeira volta do pleito, em 02 de outubro.
A ativista e técnica de enfermagem Vanda Witoto, que se destacou durante a pandemia quando se tornou um símbolo da luta contra a covid-19 em Manaus, capital do Amazonas e uma áreas mais devastadas pela pandemia no Brasil, considerou que o país experimentará um momento muito importante com a maior participação das mulheres indígenas em espaços políticos.
"Historicamente os nossos povos eram tutelados pelo Estado, por nos julgarem incapazes de cuidar do nosso território, dos nossos direitos e de nós mesmos, hoje vemos um protagonismo destas mulheres na frente da luta em defesa dos nossos povos", salientou Vanda Witoto.
À Lusa, a candidata indígena, que disputa uma vaga na Câmara dos Deputados pela Rede Sustentabilidade no estado do Amazonas, explicou que entrou na política porque a sua geração teve acesso à educação e as universidades onde indígenas se formaram "para questionar o Estado brasileiro e a violência reproduzida sobre os povos originários."
"Venho desse processo de formação de mulheres conscientes do seu papel na sociedade e, desde 2019, a partir de uma eleição do meu povo no meu território, no rio Solimões, no estado do Amazonas, onde fui eleita articuladora da organização do meu povo, articuladora política para reivindicar direitos para os povos originário em todo o Brasil", acrescentou.
Já Sónia Guajajara, que atua na APIB e no Partido Socialismo e Liberdade (Psol) onde disputou a vice-presidência em 2018, explicou, que disputará um mandato no Congresso para combater os "ataques que nós, povos indígenas, vivemos sofrendo ao longo dos anos e que piorou muito no Governo [do Presidente, Jair] Bolsonaro."
"A demarcação de terras continua sendo a bandeira prioritária dos povos e do movimento indígena no Brasil. A proteção ambiental, considerando terra, a água e as florestas como um todo e a luta pela igualdade de participação das mulheres na política", acrescentou.
Crítica de Bolsonaro, Sónia Guajajara avaliou ao comentar o cenário eleitoral da dsiputa presidencial brasileira que uma reeleição do atual Presidente brasileiro em outubro significará uma "tragédia mundial" por considerar que "Bolsonaro trabalha para legalizar a destruição na Amazónia."
"Será de facto uma verdadeira tragédia mundial, ruim não só para a Amazónia porque Bolsonaro articula para destruir todos os biomas brasileiros", concluiu a candidata do Psol, que faz oposição ao atual Governo numa coligação liderada pelo candidato presidencial e líder das sondagens Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).