“A questão da habitação não pode ser vista de forma isolada, nem de forma homogénea”, alerta a nota divulgada esta quarta-feira pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), em conjunto com 10 comissões diocesanas. No documento, intitulado “Uma casa para cada família”, estes organismos da Igreja refletem sobre a atual crise neste setor, que “atinge hoje entre nós uma inédita gravidade”.
O objetivo, explicam, não é tanto “indicar soluções concretas” para o problema, que é complexo, mas “alertar para a necessidade de uma visão completa do mesmo”, como aconselham “alguns princípios da doutrina social da Igreja”.
A nota das comissões Justiça e Paz começa por alertar para as situações de “gravidade crescente” na sociedade portuguesa, relativamente às pessoas em situação de sem abrigo – que não são só as que não têm um teto, podem ser também as que vivem em alojamentos temporários (não têm casa), ou as que partilham o mesmo espaço, em muitos casos em “condições desumanas de sobrelotação”, como acontece com muitos imigrantes e estudantes.
A estas situações juntam-se as das pessoas em risco de perderem as casas onde habitam, seja por despejos, seja por deixarem de ter capacidade de pagar os empréstimos bancários ou a renda. Persistem, ainda, dificuldades no acesso a habitações dignas (com saneamento e bons níveis conforto térmico), “adequadas” em termos de dimensão para os agregados familiares, ou sem obstáculos para quem tem debilidades físicas, como os idosos.
Para os autores da nota, no planeamento urbano não se pode esquecer o “direito ao lugar”, contrariando a atual tendência que afasta as pessoas dos locais onde vivem, onde nem sempre há espaços verdes ou de “proximidade” (comércio e serviços, equipamentos, transportes públicos).
“Assiste-se a uma separação cada vez maior (distância-tempo) entre o local de residência e o local de trabalho/estudo, o que promove uma crescente dissociação entre habitação e lugar, com a consequente perda de espírito e sentimento de pertença ao lugar e o desenraizamento em relação à comunidade local”, sublinham, lamentando que este “direito ao lugar” - como critério urbanístico ou de realojamento – tenha “um reconhecimento social e político insuficiente”.
Deveres do Estado e dos proprietários
Lembrando que “o direito à habitação é um direito fundamental da pessoa e da família”, as comissões Justiça e Paz consideram que “sem acesso à habitação está comprometida a integral realização da pessoa e não será possível a formação de jovens famílias que enfrentem o também grave problema da queda da natalidade”.
Mas, com o valor das casas em máximos históricos, como resolver o problema? “Há que respeitar o direito de propriedade privada sem esquecer a função social desta. Tal significa que o respeito do direito de propriedade privada deve facilitar a concretização do direito à habitação do seu titular e sua família, mas facilitar também (e não impedir ou limitar) o exercício do direito à habitação de outras pessoas. Isso ocorrerá através do arrendamento a preços justos e não especulativos”, refere a nota.
Quanto ao Estado, não pode deixar de intervir, pode ler-se no mesmo comunicado:
“Na legislação e nas opções políticas, há que ter presentes os princípios da solidariedade e da subsidiariedade. Tal significa que não pode esperar-se da autonomia do mercado a completa solução do problema, mas o mesmo deverá dizer-se da intervenção do Estado. Impõe-se essa intervenção para suprir as imperfeições do mercado, que hoje se revelam notórias, sem a pretensão de o substituir. Há que apoiar de várias formas iniciativas neste campo do setor social e cooperativo”
A nota manifesta a disponibilidade das comissões para, “face à extrema gravidade do problema”, ajudar a encontrar “respostas de modo prioritário e urgente, apoiadas no diálogo, na concertação e no estabelecimento de compromissos claros e duradouros”.
O documento ‘Uma casa para cada família’ é assinado pela CNJP e pelas comissões diocesanas Justiça e Paz de Viana do Castelo, Braga, Bragança-Miranda, Vial Real, Lamego, Coimbra, Leiria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco, Santarém e Algarve.