A Igreja do Carmo é uma relíquia no centro de Luanda. Construída no século XVII, tem azulejos azuis e brancos a cobrirem quase todas as paredes, um teto pintado com motivos florais, um altar magnifico a Nossa Senhora. Aos domingos de manhã, enche a transbordar com portugueses e angolanos que não cabem nos bancos de madeira e se espalham em bancos de plástico e nas pedras do claustro do antigo convento carmelita.
É uma comunidade vibrante que ali se junta, como o coro que anima a celebração. No fim da missa, entre os vários avisos são pedidos voluntários para a comissão justiça e paz da paróquia, uma comissão que trata do apoio aos mais pobres e necessitados.
A pobreza, “uma pobreza extrema” foi o que mais surpreendeu Madalena Vaz quando chegou a Luanda, há um ano, para se juntar ao marido que já aqui trabalhava na área da distribuição. “Foi um choque”, disse à Renascença esta covilhanense de 50 anos.
A pobreza, mas sobretudo a desigualdade social, foi também o que mais surpreendeu Rita, uma educadora de infância que encontramos a tomar café a uns metros da Avenida de Portugal. “Já me tinham falado, mas ver com os nossos olhos é insólito. Vê-se muita pobreza, como, ao mesmo tempo, se vê muita riqueza”, conta.
Rita, 28 anos, veio de Lisboa há três e aqui conheceu Sérgio Araujo, também educador infantil, que veio de Viseu. Trabalham num dos sectores com mais carências na sociedade angolana: a educação. As escolas públicas não chegam para todos, a educação privada não chega aos mais pobres.
A esses chega muitas vezes o ensino de congregações católicas. Como é o caso das duas escolas que as Servas de Nossa Senhora de Fátima têm no Bairro de Rocha Pinto: uma escola de ensino primário (da pré à 6ª classe) e uma escola de primeiro ciclo (da 7ª à 9ª classe, como se diz por aqui). A irmã Ana Maria Coutinho espera por ajudas para conseguir alargar a oferta ao “ensino médio”, dando resposta aos anseios dos jovens e aos pedidos dos pais.
A escola gerida pelas Servas num bairro de casas que pouco mais são do que barracas coladas umas às outras é comparticipada e os pais devem contribuir, mas muitos não conseguem pagar, alguns só dão o que podem no fim do ano. Ainda assim é na saúde que esta religiosa pensa quando lhe perguntamos o que é mais necessário em Luanda.
“Muitas vezes as pessoas, como não têm atendimento logo nos hospitais e nos centros de saúde, que são poucos, ficam a tomar os seus chás, a tomar os seus remédios caseiros e quando vão para o hospital já é na ultima e acabam por falecer. O paludismo ainda continua a matar em Luanda”, lamenta a irmã Ana Maria, que chegou à capital angolana há seis anos.
“Luanda precisa de educação, de saúde, precisa de muita gente que venha ajudar, que é a nossa função aqui neste momento”, diz Rita, que acredita que, ao fazer bem o seu trabalho, acaba por dar formação às auxiliares “que veem como se faz e vão melhorando”.
Cidade precisa de pessoas positivas
Edmilson não conhece Rita, mas haveria de gostar do seu otimismo pois acha que “Luanda precisa de pessoas positivas, com muita força de vontade”. “Enfrentamos muitos problemas a cada dia, desde transito, a pessoas menos boas”, diz este jovem de 24 anos que trabalha na assistência a clientes na banca e ajuda na paróquia de Nossa Senhora do Carmo. Para ele, Angola vive um momento “desafiante” e “é preciso não deixar morrer a esperança”.
Nesta Luanda do “corre-corre”, como lhe chama, há pessoas que se levantam às 4 e às 5 da manhã porque têm de “correr atrás do pão”. Pessoas para quem “tá difícil” como diz Maria, de 29 anos, que se diz doméstica, mas vem para o centro vender doce de coco e de jujuba.
“Luanda precisa de mais apoio, mais meios financeiros, mais emprego ”, afirma Maria enquanto vai vendendo os seus doces a quem está a sair da missa, num quadro que bem pode ilustrar as diferenças sociais que surpreenderam Rita.
A falta de emprego é, para Sérgio Araujo, a razão dos vários problemas sociais. “Vive aqui muita gente e muitas pessoas não têm oportunidade para obter emprego, o que deteriora mais a vida das famílias”, diz o educador de infância que veio para Luanda em 2015.
Logo no ano seguinte sentiu a dificuldade de muitos estrangeiros: transferir o salário para Portugal. Por isso, já nota mudanças em Angola a nível financeiro. “Tem vindo a melhorar e a tendência é melhorar mais”, acredita este educador que, por agora, não tem vontade de voltar para o distrito de Viseu de onde é natural.
Francisco Vaz também nota melhorias para os chamados expatriados, mas reconhece que ainda não chega aos angolanos. “Em termos económicos ainda é cedo. Angola está a atravessar uma recessão económica. É preciso uma injeção de capital. Entretanto, vive-se com muita dificuldade. Nós não, mas sentimos que o povo vive com muita dificuldade”, diz à Renascença.
Já a mudança política, considera que é mais notória e chega a todos: “Com este novo Presidente nota-se alguma dinâmica, penso que as pessoas têm mais liberdade para falar, isso também é visível na comunicação social e acho que este Presidente está a dar, pelo menos, sinais de que quer alterar alguma coisa e de que as coisas têm de evoluir para um bom caminho.”
Francisco, 54 anos, veio da Covilhã há ano e meio e, portanto, ainda apanhou a parte final da presidência de José Eduardo dos Santos. Considera que tem tido em Luanda uma “experiência muito enriquecedora”. Ele e Madalena vivem num ‘resort’ da empresa em que ele trabalha e onde vivem e convivem mais portugueses.
Madalena, depois do choque inicial, já se integrou e, apesar de estar em Luanda há menos tempo, vê sinais positivos ao nível da segurança, com mais polícia na rua. Já a irmã Ana Maria, que chegou há mais tempo, vê uma “grande diferença” sobretudo no lixo que se vê nas ruas. “Está a criar-se mentalidade para a limpeza, a higiene, a educação, a saúde … Luanda está a crescer”, acredita. E não é no tamanho que está a pensar.