É com voz embargada que Jorge Constante Pereira assume estar "em choque" com a notícia da morte do amigo José Mário Branco.
"É um homem que faz imensa falta à música portuguesa", diz à Renascença o compositor do Porto, que musicou muitas das letras de Sérgio Godinho.
Não chegaram a trabalhar juntos, mas José Mário Branco foi uma constante na vida de Constante Pereira. "Fomos companheiros de muitas aventuras", conta. Amigos desde os 16 anos, altura em que eram vizinhos, no Porto, partilhavam vivências e convicções políticas
"Cheguei a dar-lhe aulas de piano, depois de ele desistir de ter aulas de violino. Chateou-se com a professora, que era pouco pedagógica", recorda, entre risos.
As duas famílias davam-se bem. Aliás, José Mário foi mesmo namorado da irmã de Constante Pereira. "Os meus pais davam-se muito bem com os pais dele. Lembro-me bem da D. Sara [mãe de José Mário]. Era professora de ensino primário. E também do pai, o professor António Branco, que tinha livros editados para o ensino primário. Éramos visita de casa regular."
Os dois jovens partilharam também um percurso em termos políticos. "Andámos os dois na Juventude Escolar Católica (JEC). Depois, saímos dali quase diretamente para a Juventude Comunista. Está a ver o salto!...".
"Éramos ambos muito empenhados naquilo que fazíamos", conta o músico portuense.
Foi através de Jorge Constante Pereira que José Mário Branco conheceu Sérgio Godinho, em Paris. É o próprio Mário Branco que o conta, no capítulo que lhe é dedicado na série documental da RTP "Vejam Bem".
Godinho foi para a Suíça estudar Psicologia, aos 18 anos. Dois anos depois, mudou-se para França, onde Branco estava exilado desde 1963. Foi em Paris que se conheceram, através de um contacto "montado" através de Constante Pereira. A partir daí, foram muitos os encontros.
"Torcíamos todos para o mesmo lado", brinca, a referir-se às orientações políticas dos três. "Nessa altura, o Sérgio estava em Paris, fugido, não podia regressar a Portugal e nós encontrámo-nos em casa do Zé Mário, que morava lá há mais tempo", recorda.
Aí nasceu uma grande amizade entre os dois, refletida nos álbuns de estreia que entretanto editaram. José Mário Branco lançou o seu primeiro álbum a solo - "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" - em 1971 e Sérgio Godinho lançou "Os Sobreviventes" em 1972.
José Mário Branco será recordado "como um inovador, um grande inovador, com posições políticas muito bem marcadas e que ajudou imensa gente a começar a sua vida como músico. Ainda agora, recentemente, ajudava. Nunca parou", remata Jorge Constante Pereira.