Na semana em que o governo não se cansou de destacar o crescimento de 6,7% do PIB – o maior desde 1987 – num quadro globalmente positivo dos indicadores económicos, ao mesmo tempo, entre os portugueses, a perceção de crescente empobrecimento não deixou de aumentar.
A tensão social não abranda com protestos e greves no setor público. Educação, transportes e justiça têm sido as áreas mais atingidas. De resto, a justiça é um dos setores onde a crise parece permanente. A greve em curso dos funcionários judiciais, mais silenciosa que a dos professores, já terá causado 8 mil adiamentos em diligências e julgamentos, de acordo com o Expresso.
Há uma semana era o caso Sócrates a reter as atenções. Uma falha do governo está a paralisar o processo porque a lei de sorteio dos juízes está por regulamentar há mais de ano e meio. Sócrates foi detido em novembro de 2014, acusado em outubro de 2017 e pronunciado em abril de 2021. O processo está bloqueado numa teia de recursos e contra-recursos e agora uma falha de regulamentação do governo. As primeiras prescrições começam em 2024. Faz sentido perguntar se algum dia haverá julgamento?
Do ponto de vista simbólico é difícil imaginar um caso mais grave para testar a competência, transparência e eficácia do aparelho da justiça do que o que tem no centro um ex-primeiro-ministro, suspeito de graves crimes alegadamente ocorridos no exercício do poder.
Tancos será outro dos exemplos. O caso mais grave em décadas a atingir uma instituição com a relevância das Forças Armadas com o roubo de armas num paiol do Estado. Tancos pode regressar ao ponto zero. A relação de Évora invalidou a condenação em Santarém de 11 dos 23 arguidos por considerar o uso de metadados ilegal. O provável é o caso manter-se nos tribunais durante anos a fio com recursos que podem chegar até ao Tribunal Constitucional.
A lei dos metadados foi chumbada em abril de 2022 pelo TC criando um vazio legal e uma atmosfera de insegurança jurídica. Desde então o governo prometeu nova lei antes do verão passado, depois adiou para o segundo semestre do ano, a seguir iria estudar a legislação europeia e, por fim, teria de esperar pela revisão constitucional.
Com este pano de fundo de responsabilidades, no limite, de decisores políticos a ineficácia do sistema corre o risco de ‘naturalização/normalização’? A análise é de Nuno Garoupa, professor da GMU Scalia Law, João Cerejeira, professor da Universidade do Minho e Nuno Botelho, líder da ACP – Câmara de Comércio e Indústria do Porto que avaliam ainda o momento político e social e o “regresso” de Passos Coelho.