Elisa Ferreira foi ministra do Ambiente e do Planeamento e não é de estranhar que sublinhe os problemas que subsistem em Portugal no domínio da coesão territorial. A comissária portuguesa diz que essa resposta terá ajuda europeia, enquadrada na dimensão social que sai reforçada da Cimeira Social e do Conselho Europeu Informal do Porto. Em entrevista à Renascença, Elisa Ferreira pede mais pressão social sobre os atores institucionais para que se cumpra a Declaração do Porto.
Os objetivos definidos nem sempre são alcançados. A ambição existe, mas aconteceu isso, por exemplo, com a Estratégia de Lisboa. Como pode assegurar a exequibilidade das metas que daqui vão sair?
Podemos ter todos consciência de que elas são exequíveis. Agora, a vontade política de as atingir depende dos Estados, depende das regiões, depende das câmaras, depende das empresas.
Neste momento, a Comissão Europeia está sobretudo a dizer aos países: " lembrem-se que tivemos um apoio muito especial para simplesmente proteger o trabalho, os empregos, as empresas. Agora temos de transitar para um relançamento que não pode ser cego em relação ao impacto social da pandemia. E ao facto de o trabalho não poder ser sempre mantido de uma forma artificial.
Temos de passar das situações de lay off e de empresas artificialmente apoiadas precisamente para evitar uma rutura social e económica muito grande, para uma situação em que se acrescenta valor àquilo que as empresas fazem e em que as pessoas ganham competências novas. Por exemplo, as pessoas da construção civil têm de ganhar novas competências relativamente à utilização de materiais que isolam melhor em termos de temperatura ou de consumo de energia, fazendo uma requalificação maciça dos edifícios públicos e privados. Há necessidade de, ao fazer esta reestruturação ao relançar a economia sem ser à custa do emprego.
E a requalificação das pessoas?
Garante-se que ninguém fica para trás exatamente através desta abertura da parte da Comissão Europeia e esta sensibilização das instituições, mas também das empresas e também dos sindicatos. Quando se apresenta um plano de relançamento, tem de se executar olhando para o território, para as circunstâncias que variam conforme as regiões.
Estamos aqui na região do Norte, onde há um tecido empresarial totalmente diferente da região, por exemplo, da Península de Setúbal ou da região do Algarve. Então temos de refletir sobre como é que nós podemos utilizar estes fundos e estes apoios, para acrescentar valor àquilo que em cada região, em cada espaço, nós somos capazes de fazer. E fazê-lo cada vez melhor, de maneira a que também os empregos sejam mais bem pagos, o que acontece se acrescentarem mais valor.
Também sobre isso, a Comissão Europeia tomou medidas e fez uma diretiva, chamando a atenção para a necessidade de termos salários, caminhando para um salário mínimo. Não pode ser igual para toda a Europa.
O que é um salário digno?
Sobre isso, chamo a atenção para um trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos que dizia que, das pessoas que trabalham, 11%. Ganham tão pouco que, de facto, quando têm de fazer o pagamento das suas despesas mínimas vitais, isso não chega. Temos de formar as pessoas e chamar a atenção dos empresários para que, combinando o trabalho qualificado e a tecnologia cada vez mais avançada e moderna, se consiga ir subindo os salários e a qualidade de vida das pessoas.
Estamos na região Norte que conhece muito bem e que é um bom símbolo de tudo isso que estamos aqui a falar. Se uma indústria se requalifica do ponto de vista tecnológico, nem sempre os salários acompanham esse movimento. Outra das preocupações da Comissão e do seu plano da ação tem a ver com a questão da pobreza infantil, que já foi muito superior nesta região Norte do que havia há 20 anos. Ainda assim, é um desafio para territórios como este?
Completamente. Quando há uma crise, as disparidades sociais e regionais crescem, aumentam. Isso é inevitável, como uma cadeia que é sujeita a uma pressão, em que os elos mais fracos quebram, quebram as regiões e as indústrias mais sensíveis ao isolamento social e quebram os contratos que são menos sólidos. Normalmente isso atinge as mulheres, o trabalho parcial e pessoas com deficiência. Com todos os apoios que foram criados nesta situação de emergência, parece que a situação está contida em termos económicos e sociais, mas ela está artificialmente contida. Temos de saber utilizar os fundos novos e os existentes para fazer a transição para uma situação efetivamente sólida.
Um terceiro do nosso plano de ação toca em particular a pobreza infantil. Temos 18 milhões de crianças em situação de pobreza. Isto são quase duas vezes a população portuguesa, dois "Portugais". Uma criança que neste momento está a sofrer porque não pode ir à escola ou não tem habitação condigna ou porque não tem acesso às novas tecnologias digitais, se não têm acesso a serviços de saúde capazes, estamos a estigmatizar um cidadão para o resto da sua vida.
Mas aí está a entrar nas competências dos Estados membros.
Estamos. E estamos por isso mesmo a estimular os Estados membros. Quando fazem os seus planos de relançamento e utilizam os fundos estruturais - e não há falta de fundos! - a Comissão pode fazer propostas sobre todos estes temas. Elas têm de ser ratificadas e confirmadas pelos estados-membros e, a seguir, cada estado-membro tem de absorver e interiorizar o modo como pode atingir estes objetivos.
Mas faço um apelo aos meios de comunicação social para que, de facto, não deixem de fazer perguntas sobre estas dimensões. Estou a apelar uma pressão coletiva, no bom sentido, porque, de facto, só vemos aquilo para onde orientamos a luz, não é? Estes objetivos parecem-me completamente essenciais para um futuro sustentável e sustentável.
A dimensão social não pode ser esquecida também, tal como a dimensão de conformidade ecológica e ambiental, mas também a responsabilidade de olhar para os territórios. No caso português, isso é muito notório. Portugal, de facto, tem desequilíbrios internos brutais. Faço notar que hoje o território mais atrasado de Portugal é exatamente a região Norte, que também é a região mais produtiva, com mais propensão à exportação, que mais contribui para as exportações, que é relativamente mais jovem e que tem uma tendência e uma tradição empresarial, industrial, brutal.
As regiões norte e centro são de facto as mais populosas. Pesam mais de metade da população nacional. Um país é desequilibrado, quando tem um pólo muito dinâmico, mas que pesa 30%. E se os outros 70% estiverem caídos para trás e não arrancarem, o país não arranca.
E estes fundos vão permitir reequilibrar a situação?
Os fundos têm sempre permitido reequilibrar. É para isso que os fundos existem. Os fundos existem para fazer a coesão do país enquanto um todo. Enfim, Portugal tem de rever um pouco e reavaliar o que é que fez bem. Fizemos muitas coisas muito bem, mas temos de também retificar aquilo que não estiver suficientemente bem conseguido.
Portugal foi muito beneficiado com a integração na Europa. Ainda assim, em diversos momentos, há sinais de que os portugueses não valorizam a Europa nalgumas dimensões que os rodeiam no quotidiano. Entramos outra vez num novo desafio de "vender a Europa" aos portugueses?
Não acho que haja uma questão de "vender", de maneira nenhuma. Nesta crise, a Europa esteve presente de uma forma completamente óbvia. Há questões que foram muitas vezes mal interpretadas. E a meu ver mal divulgadas como a questão da vacina. Questiono-me se Portugal estivesse na concorrência Internacional a tentar negociar com os laboratórios? Não tinha conseguido isso.
A Comissão Europeia não faz uma autocrítica nesse processo?
Faz. Mas a Comissão Europeia não é um Estado, não há impostos europeus, tem um orçamento que é mínimo e que está todo investido em política de coesão, política agrícola e as outras vertentes todas. Não tenho competências em matéria de saúde, portanto, tomou uma iniciativa quase de seu livre-arbítrio, entrando num projeto que não obrigou nenhum Estado membro a fazer nada de especial. Aliás, as negociações com as empresas foram sempre acompanhadas pelos Estados membros.
A Europa tem neste momento condições para entregar vacinas aos Estados membros que as querem comprar. E aí também se diferencia, por exemplo, dos Estados Unidos e da Inglaterra está a distribuir internamente metade do que produz e exportar a outra metade para países como o Japão, da Austrália, para apoiar também países em vias de desenvolvimento. E, portanto, a Europa está-se a comportar de uma forma equilibrada e aberta.
Para relançar a economia e para apoiar o relançamento da economia, fez uma coisa que nunca tinha feito. Vamos aos mercados e endividar-nos para poder dar "bazucas" e para dar dinheiro aos Estados membros, na expectativa de que eles consigam utilizar esse dinheiro de uma forma tão boa que façam uma aceleração do seu crescimento.
A compensação desse endividamento é feita através da dinamização da economia europeia. Isso nunca foi feito.