Caso Tancos. Quais foram os fundamentos para anular a decisão?
28-02-2023 - 18:15
• Fátima Casanova
O Tribunal da Relação de Évora anulou, esta terça-feira, o acórdão do processo de Tancos e mandou repetir a produção de prova apresentada em primeira instância. Em causa está o uso de metadados no processo relativo ao furto de armas dos paióis do Exército em Tancos. Assim, o tribunal anulou a decisão da primeira instância, que tinha sido proferida pelo tribunal de Santarém, há pouco mais de um ano. Na altura, tinham sido condenados 11 dos 23 arguidos.
Quais foram os fundamentos para anular a decisão?
Os desembargadores de Évora entenderam que este caso tem provas que foram recolhidas por meios proibidos. O coletivo presidido por Ana Bacelar Cruz teve em conta o acórdão do Tribunal Constitucional, um acórdão de maio do ano passado, que declarou a ilegalidade do uso dos metadados. Neste caso de Tancos, muitas das provas conseguidas passaram pela utilização de metadados e, por isso, os juízes desembargadores consideram que muitos dos factos dados como provados são, desta forma, irremediavelmente afetados. Por isso, mandou repetir a produção de prova.
O caso regressa praticamente à estaca zero ou seja regressa ao tribunal de Santarém, que vai ter de refazer a decisão, refazer um novo acórdão, retirando todos os metadados usados para dar como provados alguns dos crimes pelos quais os arguidos foram condenados.
O que são os metadados?
São os dados relativos a comunicações recolhidos e guardados pelas operadoras de telemóvel. E, agora, os desembargadores de Évora querem que sejam ignorados como prova todos os registos de chamadas entre os arguidos e a respetiva geolocalização por telemóvel. Contudo, não estão em causa as escutas efetuadas pela Polícia Judiciária.
Que implicações pode ter esta decisão dos desembargadores de Évora?
Estando o julgamento anulado, e segundo as declarações do advogado António Pinto Pereira desta tarde, o caso volta à estaca zero. O processo deverá baixar à fase de julgamento e as condenações, bem como as absolvições, deverão ficar sem efeito. Porém, isto só é valido para quem não confessou os crimes.
Mas quem colaborou com a justiça pode ser penalizado?
Sim, à partida aqueles arguidos que contribuíram para o esclarecimento da verdade e que confessaram os factos, sem qualquer reserva, não serão beneficiados com esta decisão da relação de Évora. Entre eles poderá estar o principal arguido e autor confesso do assalto aos paióis de Tancos, João Paulino, que tinha sido condenado a oito anos de prisão. Os dois homens, João Pais e Hugo Santos, que o ajudaram a retirar o material militar de Tancos também foram condenados a penas de prisão efetiva.
Para a nulidade da sentença, contribui ainda o fato de os desembargadores entenderem que esteve em causa violação do princípio constitucional do juiz natural. Durante o processo, os advogados tinham contestado que a investigação estivesse a cargo do do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, sediado em Lisboa, em vez de ser conduzida a partir de Santarém, uma vez que as armas foram encontradas na Chamusca. Tal aconteceu porque se considerou que estaria em causa crime de terrorismo e aí a competência é da Judiciária e do DCIAP e as consequências da violação do chamado princípio do juiz natural ainda ficam também por conhecer.