“Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão” – a citação é de uma homilia do século IV, lida ano após ano no Ofício de Leitura de Sábado Santo, mas que neste Sábado Santo de pandemia se torna tão mais concreta.
A esta hora, a meio da tarde de sábado, estaria a ajudar a preparar a igreja para a missa de domingo. A voltar a pôr toalhas e flores, a mudar panos de vermelho para branco, enquanto repetiria, baixinho ou talvez não, o salmo que me estivesse destinado na vigília pascal. Depois, ainda antes da vigília, iria mudar os óleos nas âmbulas de cada paróquia, colocando os óleos novos que tinha trazido da Sé na quinta-feira.
Ir à Sé, à Missa Crismal, buscar os óleos santos para as paroquias. Entrar na imensa nave cheia de gente a cantar “Povo de reis, assembleia santa….”, encontrar amigos, cumprimentar padres conhecidos no fim da celebração é um dos meus rituais de Páscoa. Na quinta-feira à noite rezar junto do Senhor já retirado do sacrário, depois da Missa da Ceia; na sexta, o meu dia litúrgico preferido, ler o Evangelho da Paixão, beijar a Cruz; depois o silencio de sábado santo, o vazio e a esperança e a longa liturgia da vigília. E, por fim, os sinos a repique no domingo de Páscoa. Voltar a cantar o Gloria e o Aleluia.
Este ano tudo está a ser diferente, muito diferente. Tal como diferente está a ser a nossa vida de todos os dias. Mais ou menos confinados, procuramos novas rotinas, com saudades de tanta coisa de que nos queixávamos antes. E sobretudo com saudades de abraços e beijos que tantas vezes não dávamos.
Não vamos ter festas de família, nem passeios à serra ou à praia nesta Páscoa. Tentamos adaptar rituais – religiosos ou não – que costumavam marcar estes dias. Contudo, falta-nos qualquer coisa, falta-nos a gente, os toques, os sorrisos e os olhares, o cheiro do incenso e até a tosse que provoca em alguns, falta-nos o coro mais ou menos afinado, falta-nos a comunidade que é necessária à festa.
Mas havemos de ter espírito, amor e perseverança para viver estes dias, todos estes dias, que não sabemos quanto meses serão. Vivê-los como um longo, muito longo sábado santo, como um vazio, habitado por um silêncio de esperança, por uma certeza de que cada um tem de fazer o possível e até o que parecia impossível em função do bem todos.
Tudo vai ficar bem tornou-se o slogan deste tempo. Infelizmente, não vai ficar tudo bem para todos. Importa é ter o cuidado de não deixar ninguém para trás e ter capacidade de recomeçar. É isso que é a Páscoa, um recomeço, um novo começo, uma boa noticia que muda a vida. E havemos de chegar à Páscoa, mesmo que agora nos pareça muito mais longe do que o dia de amanhã.