O Teatro da Cornucópia, em Lisboa, vai mesmo encerrar. Luis Miguel Cintra confirma à Renascença que não há condições para continuar, apesar da intervenção do Presidente da República.
Em entrevista, o encenador fala do que chama de “confusão” aquando da visita de Marcelo Rebelo de Sousa no sábado, na última récita da Cornucópia.
“Percebo que o Presidente da República tenha assumido aquilo que pode ser uma opinião ou pergunta precipitada da maior parte do público: aquilo foi uma confusão que levou a um mau entendimento das coisas. Porque, de facto, não é uma questão solucionável só porque as pessoas estão com um amuo…é uma coisa muito profunda”, explicou o actor e encenador.
"Há uma atitude do Estado que cada vez se tem vindo a acentuar mais quer com governos do PSD, quer com governos PS, que é uma atitude de querer juntar as artes também na economia de mercado, que é contraditória com o tipo de teatro que nós fazemos", aponta.
No sábado, no espectáculo de encerramento da companhia, o Presidente da República propôs um estatuto de excepção para a companhia, mas Luis Miguel Cintra diz que não há condições financeiras para continuar.
“O Teatro da Cornucópia, como estrutura e como tipo de companhia que era, acabou e nem pode continuar a existir de maneira nenhuma dentro do sistema actual de financiamento oficial à actividade teatral. É um trabalho muito caro e não pode deixar de o ser porque significa muitas horas de dedicação”, justifica o actor, acrescentando já ter esclarecido com o Ministério da Cultura a questão do encerramento.
O encenador deixa a ressalva: "Só é caro visto abstractamente, porque sabe-se quanto é que a Cornucópia tinha do Estado, mas não se sabe por exemplo o que pode ser um orçamento de um Teatro Nacional". "Mas de facto acaba, porque com o que está previsto como financiamento possível durante o ano que vem, nós não conseguimos trabalhar."
Luis Miguel Cintra admite voltar a trabalhar, mas em projectos pontuais e como encenador. "Não sei o que vou fazer a seguir, mas não me apetece muito ficar parado, não é?"
"Porque apesar de tudo a história da Cornucópia é completamente a minha história também, mas não só a minha mas a história de muitas outras pessoas. Isso é uma coisa que me faz pensar que também hei-de arranjar maneira de fazer espectáculos, mas apetecia-me ter sempre uma forma de intervenção mesmo nessa maneira de organizar espectáculos. Gostava que houvesse um conteúdo de inovação numa nova forma de organização", explica.
E o que diz Luis Miguel Cintra às novas gerações de actores? "Os mais novos têm de fazer com a mesma vontade de inovar que a gente tinha. Quanto muito que sirvamos de exemplo para isso."
"Há determinados sintomas de um envelhecimento enorme das democracias ocidentais, que já são baseadas numa espécie de cópia de outras cópias, de outras cópias, e desadequadas à representatividade dos cidadãos no poder. E é preciso se calhar não só curá-las com pensos para tapar a ferida, é preciso se calhar reinventar tudo outra vez. E ter aquele prazer de reinventar o mundo que faz a alegria de viver."
O Teatro da Cornucópia, fundado em 1973 em Lisboa, anunciou no dia 16 que fechava portas no sábado.
O encerramento do teatro por dificuldades financeiras tinha sido já equacionado. Em 2012, numa entrevista à Renascença, Luis Miguel Cintra afirmou que o teatro podia acabar em Janeiro de 2013.
Pode ouvir a entrevista da jornalista Maria João Costa a Luis Miguel Cintra na íntegra esta sexta-feira, no Ensaio Geral da Renascença, pelas 23h30