“Sonhemos juntos” é o mais recente livro do Papa Francisco, escrito em plena pandemia e agora publicado em Portugal pela Planeta de Livros.
Em conversa com o jornalista-escritor Austen Ivereigh, o Papa enfrenta as várias crises destes tempos e espera que a pandemia desperte o que há de melhor na humanidade.
Ivereigh encontrou em Francisco um verdadeiro “diretor espiritual da humanidade”, com uma "visão singular" da história e da crise de covid-19 no mundo, conta o jornalista, em português, em entrevista à Renascença.
Que livro é este, "Sonhemos juntos"?
É o primeiro livro escrito por um Papa que responde diretamente a uma crise da humanidade. É um conjunto de pensamentos que revelam a sua sabedoria espiritual sobre o movimento dos espíritos que estão por detrás desta crise, que também revela muitas outras crises que a humanidade deve enfrentar.
Como aconteceu este livro? Porque nós abrimo-lo e não vemos perguntas...
Sim, é um pouco estranho, mas é o resultado de um diálogo entre nós. Pareceu-me melhor que o Papa falasse diretamente com o leitor. Por isso, não existe o esquema pergunta-resposta, como é tradicional em livros papais. Aqui ele fala diretamente ao leitor e essa proximidade é muito importante para a missão do livro. Ou seja, o leitor pode ter o Papa consigo, como se lhe estivesse a falar diretamente.
Este livro está estruturado em três partes e segue o critério do "ver, julgar e agir". Qual é o objetivo último?
Essa dinâmica tem sido praticada pela igreja latino-americana, em particular, durante muitas décadas. É uma forma de ver o mundo com os olhos do bom pastor. Ver onde está o espírito, onde é que Deus fala connosco e nos chama. E, em seguida, o esclarecimento que leva cada um a agir ou a propor mudanças que nos levam onde Deus nos chama. É a própria dinâmica da conversão porque, para o Papa, este é o momento da conversão, é um momento fecundo, uma oportunidade. Há uma graça nesta crise, à qual podemos responder. Ele diz constantemente, no livro, que desta crise não se sai igual: ou se sai pior, ou melhor. Ou seja, este é um momento de escolhas.
O livro é marcado, claramente, pela questão da Covid-19. Lê-se, a certa altura, que é como um "diretor espiritual da humanidade", que nos deixa indicações que podem ajudar a sair deste labirinto.
Exatamente, é uma metáfora que tenho usado desde há alguns anos. Para mim, o Papa Francisco é o diretor espiritual da humanidade que nos orienta, como num retiro. E qual é o objetivo desse retiro? É o de nos abrirmos ao Espírito Santo, é deixar que Deus entre na nossa História e nas nossas histórias pessoais. Nesse sentido, o agente da mudança não é o Papa, é o Espírito Santo. O papel do Papa é acompanhar-nos, convidar-nos a abrirmo-nos e advertir-nos dos obstáculos e tentações que impedem essa abertura.
Este livro é muito realista, porque toca nas feridas do mundo e da própria Igreja, mas percebemos como o Papa não se deixa esmagar pelas preocupações...
É interessante essa combinação. Acho que o Papa tem uma visão singular da história e desta crise. É uma visão muito mais profunda do que a de qualquer outro líder neste mundo, porque aquilo que o preocupa não é tanto para onde devíamos ir, mas é o processo da conversão e da mudança. Neste sentido, é um livro de enorme sabedoria. Francamente, ele sabe muito sobre muitos temas da atualidade e, por detrás de tudo isso, está um despertar da humanidade, de uma dignidade humana. E ele põe a sua esperança nesse despertar.