Não há voltar a dar, a pandemia está a afetar o negócio de António e Fernanda Dias, proprietários de um café no centro da aldeia de Cabeça, a localidade com cerca de 100 habitantes que em 2013 começou a ganhar fama com um Natal 100% ecológico. Hoje, tiram poucos cafés e têm na memória o empenho de meses de trabalho a pensar na época mais especial do ano que, afinal, não terá o brilho de outras épocas.
Desde 2013 que a aldeia de Cabeça, no concelho de Seia, estava habituada a atrair centenas de pessoas, entre familiares e turistas, para ver aquele que era o Natal 100% ecológico do país.
Apesar de ainda não existir qualquer caso de Covid-19 em Cabeça, a iniciativa foi cancelada e a população de cerca de 100 habitantes não vai ter as mil pessoas ou mais que chegava a acolher em anos anteriores.
“Por nós e por todos, face à situação pandémica que se vive, em conjunto com todas as entidades envolvidas (Conselho Diretivo dos Baldios de Cabeça, União de Freguesias de Vide e Cabeça, Centro de Apoio à 3.ª Idade de Cabeça, Município de Seia e Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede de Aldeias de Montanha) optou-se por não realizar o evento ‘Cabeça Aldeia Natal’. Iremos trabalhar num formato online para vos levar um pouco da magia do Natal na nossa aldeia”, pode ler-se na página do evento.
Os ornamentos deste ano cingem-se a uma árvore de Natal e um pequeno recanto escondido, com uma cadeira de madeira posicionada, quase que a convidar a uma “selfie”.
A aldeia de Natal única no país, que foi também a primeira aldeia ‘led’ em Portugal, apostou desde 2013 na decoração 100% natural, com os materiais retirados da natureza, como giestas, videiras, pinheiros, restos de lãs das fábricas e outros materiais reciclados resultantes das limpezas das florestas do Parque Natural da Serra da Estrela.
No Largo da Igreja, José Mendes, 68 anos, olha para a árvore de Natal imponente e desabafa. “O meu sobrinho no Luxemburgo não pode vir por causa da pandemia. Trabalha na construção civil. É triste, mas não pode. Temos de nos prevenir, dar a distância. Juntava-se aí muita gente e agora…”.
A mesa vai ser mais reduzida. “Vamos cozer as batatas só com a família daqui: eu, a minha esposa e um filho. O sobrinho casado e com dois filhos não vêm, mas temos de nos salvaguardar”, conclui José.
E foi para salvaguardar a família, que também António Dias, de 68 anos e com cinco netas, vai passar o Natal longe delas. “Isto seria uma azáfama nesta altura, mas vale mais assim, porque é complicado. Tenho família no Luxemburgo e na Suíça. Veio uma irmã minha da Suíça, mas está há dez dias de quarentena. Não compensa e não é nada conveniente. Mesmo os nossos filhos não vêm e estão em Viseu. Mesmo que seja Natal em família não dá. A minha filha tem uma bebé com 5 meses e convém resguardar-se”, defende, respirando fundo.
Enfrentar um Natal diferente numa aldeia que estava habituada a receber centenas de pessoas entre familiares e turistas (mais de mil) que enchiam as mesas, faz parte da nova rotina de Fernanda Dias, 67 anos, que admite cortar na ementa.
“Devido a esta pandemia, não fazemos como costumávamos, um bocadinho de bacalhau, um bocadinho de peru, um bocadinho de arroz doce”, salienta as doses.
No entanto, ali, na aldeia de Cabeça, não há pandemia que acabe com os brindes típicos de final ano. “Que é que eu vou pedir? Mais um copo”, graceja José, interrompido por Fernanda: “não, não, vamos mas é pedir para que a pandemia acabe”.