Francisco pede paz e direitos iguais para cristãos e outras minorias religiosas no Iraque
05-03-2021 - 13:27
 • Filipe d'Avillez , Aura Miguel

No seu primeiro discurso público no Iraque o Papa recordou o quanto ele e os seus antecessores rezaram pela paz naquele país e recordou que “Deus escuta sempre”.

O Papa Francisco fez um forte apelo à paz no Iraque, esta sexta-feira, sem deixar de insistir na necessidade de assegurar aos cristãos, e outras minorias religiosas, direitos iguais num país que goza de uma grande diversidade de fés e de etnias.

No seu primeiro discurso público em solo iraquiano, falando na presença do Presidente da República, Barham Salih, e de representantes das autoridades, da sociedade civil e do corpo diplomático, Francisco recordou que o Iraque tem tido um lugar especial no seu coração e no dos seus antecessores ao longo dos últimos anos.

“Quanto rezamos ao longo destes anos pela paz no Iraque! São João Paulo II não se poupou a iniciativas, e sobretudo ofereceu súplicas e sofrimentos por isso. E Deus escuta; escuta sempre! Cabe a nós ouvi-Lo a Ele, andar nos seus caminhos”, afirmou.

O Papa João Paulo II foi uma das principais vozes de oposição à invasão do Iraque pelas forças internacionais, lideradas pelos norte-americanos, em 2003, e que veio lançar o país no caos durante mais de uma década, agravando divisões que ainda estão por superar.

Desde a sua eleição, o Papa Francisco também já rezou várias vezes pela paz no Iraque, especialmente durante os piores anos de violência e de perseguição levada a cabo, entre outros, pelo Estado Islâmico.

“Calem-se as armas! Limite-se a sua difusão, aqui e em toda a parte! Cessem os interesses de parte, os interesses externos que se desinteressam da população local. Dê-se voz aos construtores, aos artífices da paz; aos humildes, aos pobres, ao povo simples que quer viver, trabalhar, rezar em paz! Chega de violências, extremismos, fações, intolerâncias! Dê-se espaço a todos os cidadãos que querem construir juntos este país, no diálogo, no confronto franco e sincero, construtivo. Quem se empenha pela reconciliação e o bem comum esteja disposto a deixar os seus interesses de lado”, insistiu o Papa, que se apresentou como "penitente que pede perdão ao Céu e aos irmãos por tanta destruição e crueldade" e como "peregrino de paz, em nome de Cristo, Príncipe da Paz".


Contudo, Francisco não deixou de realçar a importância de esta paz e democracia assentarem sobre uma base de direitos iguais para todos. A falta de direitos civis básicos e de igualdade tem sido uma das grandes queixas dos cristãos no Iraque.

“Nestes anos, o Iraque procurou lançar as bases para uma sociedade democrática. Neste sentido, é indispensável assegurar a participação de todos os grupos políticos, sociais e religiosos e garantir os direitos fundamentais de todos os cidadãos. Que ninguém seja considerado cidadão de segunda classe”, disse Francisco, que antes já tinha recordado que “a Santa Sé não se cansa de apelar às Autoridades competentes no Iraque, como noutros lugares, para que concedam a todas as comunidades religiosas reconhecimento, respeito, direitos e proteção”.

Contra a violência religiosa, o Papa recordou o documento de Abu Dhabi, que assinou em conjunto com o imã al-Tayyeb, da Universidade de Al-Azhar, no Egipto, e reafirmou a disponibilidade da Igreja para contribuir para o bem comum, sem deixar, mais uma vez, de sublinhar a importância de iguais direitos.

“A religião, por sua natureza, deve estar ao serviço da paz e da fraternidade. O nome de Deus não pode ser usado para ‘justificar atos de homicídio, de exílio, de terrorismo e de opressão’ Pelo contrário, Deus, que criou os seres humanos iguais em dignidade e direitos, chama-nos a difundir amor, benevolência, concórdia. Também no Iraque, a Igreja Católica deseja ser amiga de todos e, através do diálogo, colaborar de forma construtiva com as outras religiões, para a causa da paz.”

“A presença muito antiga dos cristãos nesta terra e o seu contributo para a vida do país constituem um rico legado que pretende continuar a servir a todos. A sua participação na vida pública, como cidadãos que gozam plenamente de direitos, liberdades e responsabilidades, testemunhará que um são pluralismo religioso, étnico e cultural pode contribuir para a prosperidade e a harmonia do país”, concluiu.

Futuro melhor para os jovens

Francisco lamentou o passado recente do Iraque, nomeadamente “os infortúnios das guerras, o flagelo do terrorismo e conflitos sectários muitas vezes baseados num fundamentalismo incapaz de aceitar a convivência pacífica de vários grupos étnicos e religiosos, de ideias e culturas diferentes.”

“Tudo isto trouxe morte, destruição, ruínas ainda visíveis… E não só a nível material! Os danos são ainda mais profundos, quando se pensa nas feridas dos corações de tantas pessoas e comunidades que precisarão de anos para se curar.”

O Papa referiu de forma particular os yazidis, um povo de etnia curda mas que segue uma religião ancestral e que foi vítima de uma tentativa de genocídio por parte dos jihadistas do Estado Islâmico. Longe de ser um problema, a diversidade religiosa devia ser um bem a preservar no Iraque, considera Francisco.

“A propósito, a diversidade religiosa, cultural e étnica, que há milénios carateriza a sociedade iraquiana, é um recurso precioso de que lançar mão, e não um obstáculo a ser eliminado. Hoje o Iraque é chamado a mostrar a todos, especialmente no Médio Oriente, que as diferenças, em vez de gerar conflitos, devem cooperar harmoniosamente na vida civil.”

Em particular, o Papa mostrou-se preocupado com os jovens e a necessidade de garantir a sua permanência no país, uma vez que muitos tentam fugir para o ocidente, em busca de melhores condições de vida. A emigração tem afetado de forma desproporcional a comunidade cristã, que desde 2003 diminuiu para cerca de 10% do que era, rondando agora entre 200 e 300 mil pessoas.

“Como responsáveis políticos e diplomáticos, sois chamados a promover este espírito de solidariedade fraterna. Há necessidade de contrastar o flagelo da corrupção, os abusos de poder e a ilegalidade. Mas não basta! Ao mesmo tempo, é preciso edificar a justiça, aumentar a honestidade, a transparência e reforçar as instituições que a isso presidem. Assim pode crescer a estabilidade e desenvolver-se uma política sadia, capaz de oferecer a todos, especialmente aos jovens (tão numerosos neste país), a esperança dum futuro melhor.”

O programa do Papa prossegue esta sexta-feira com uma visita precisamente a um marco histórico da perseguição dos cristãos no Iraque. Francisco vai encontrar-se na Igreja Siro-Católica de Nossa Senhora da Salvação com os representantes católicos do Iraque, onde recordará certamente o terrível massacre que ocorreu em 2010 naquele local, vitimando dezenas de católicos e ferindo outras tantas.

Sábado o Papa viaja para Najaf, onde se encontrará com o líder da comunidade xiita, e depois segue para Erbil, capital do Curdistão, onde terá mais encontros com representantes de outras religiões e das diferentes comunidades cristãs no Iraque.

Na segunda-feira Francisco regressa a Roma.