Adriano Moreira. "Esta economia mata"
12-06-2015 - 08:00
• João Carlos Malta (texto) e Conceição Sampaio (vídeo)
O professor e ex-ministro faz a avaliação a 30 anos de Portugal no "Clube Europa", que se assinala esta sexta-feira. Um projecto e um caminho com altos e baixos. A rota actual da União Europeia leva o ex-presidente do CDS a apropriar-se das palavras de alerta do Papa Francisco.
Faz esta sexta-feira três décadas desde que Mário Soares assinou o acordo de adesão à entrada na CEE. O professor universitário Adriano Moreira faz o balanço de 30 anos no comboio europeu e analisa o momento actual de impasse e indecisão que a Europa e Portugal atravessam.
Teremos uma Europa alemã ou uma Alemanha Europeia? E o problema da Grécia é europeu ou só grego?
São questões para as quais a resposta final ainda não foi dada. Mas sobre o caminho que a Europa está a trilhar, em que a economia é o combustível, Adriano Moreira não tem dúvidas: é mortífero.
Um primeiro-ministro belga disse um dia que na Europa há países que são pequenos e que o sabem, e há outros que são pequenos e não sabem. Em que grupo está Portugal?
Temos uma tradição histórica que nos faz ver em grande Portugal, sem reparar que, como disse o cardeal patriarca de Lisboa [D. Manuel Clemente], aquilo que nos resta é o território que nos calhou ou em que encalhamos. Essa mistura de atitudes é bastante vulgar na Europa sobretudo por ter havido uma espécie de império “euromundista”.
Mas nós somos mais pequenos do que pensamos?
Portugal sempre teve um projecto que excedia as suas capacidades. E os impérios que nós tivemos deixaram-nos em dificuldades enormes. O império das Índias acabou em Alcácer-Quibir e o Estado estava falido, o segundo império, o do Brasil, acabou com a independência do Brasil, e este Estado estava falido.
Que melhorámos de vida as estatísticas parecem não desmentir, mas era aquilo que esperávamos há três décadas?
Os factos vão exigindo alterações ao projecto europeu. Mas o que me parece mais saliente é que, tendo havido um progresso de grande desenvolvimento, bastante generalizado depois da queda do muro de Berlim, ao invés de estarmos numa luta ideológica, aquilo que no Ocidente desenvolveu foi o “neo-riquismo”.
Os países gastam mais do que têm. E por isso, a Europa está numa crise. Houve uma reconstituição do Império Romano mas em que a Grécia, a Itália, a Espanha e Portugal estão juntos, mas na pobreza. E o Norte, os bárbaros, estão ricos. Se isto não puder ser ultrapassado pelas negociações que estão a haver, exige uma redefinição [da União Europeia].
O que mais aflige a Europa, com esta crise, é esta não ter um conceito estratégico. A Europa não sabe se tem no futuro uma Alemanha europeia ou uma Europa alemã. Não sabe qual serão os efeitos sobre a decisão que vier na Grécia, e se esse problema é dos gregos ou dos europeus.
E é de quem?
Julgo que é da Europa. A Europa tem de tomar a consciência que está a enfrentar uma emergência militar com o avanço do Estado Islâmico, que já declarou que quer destruir a nossa “Roma”, ou seja, a nossa concepção de vida e reocupar os territórios. Não faz muitos anos que qualquer declaração destas era uma declaração de guerra. E apenas a responsável pelas Relações Internacionais e de Segurança da Europa declarou que era preciso um exército. A única pessoa que deu uma resposta positiva foi a senhora Merkel.
Precisamos de um exército europeu?
Não sei se sim, se não. Espero que os estrategas decidam isso. A livre circulação que era um direito criado para os europeus, foi interpretado como venha quem quiser. Mas criaram-se grupos que não são comunidades, são multidões, como na França e em Espanha. E isso traz uma instabilidade enorme na vida europeia.
Coloca a Europa numa crise em que distingo os seguintes factos: movimentos das pequenas pátrias que se querem tornar independentes dos estados unitários que têm – a Espanha para nós é o mais importante; a falta de confiança ou corte da confiança entre as sociedades civis e os governos – e isso mede-se pelas abstenções nas eleições; por outro lado, renascem as forças políticas reaccionárias, de regresso ao passado.
Mais uma vez, os factos estão a desafiar os tratados. Depois, temos o Mediterrâneo transformado num cemitério. O resultado é que a situação [na Europa] é de risco.
Além das questões financeiras, que consequências políticas e culturais trará para a Europa uma eventual saída da Grécia da Zona Euro?
Há dois problemas que não podem ser dissociados: a política da Rússia e a crise na Grécia. A Rússia declarou-se como o Império do Meio. Um dos grandes objectivos de sempre da Rússia foi o livre acesso às águas quentes do Sul. Se vir onde está a Grécia pode ser que isso dê algumas ideias que preocupem quem veja as coisas com esta perspectiva.
Acha que a Alemanha olha para essa questão?
Não sei, não tenho conversas com a senhora Merkel. Mas ela é uma pessoa muito lúcida e isso vê-se pelas declarações que vai fazendo. Determinada também, isso é indiscutível. Agora como vê esta situação, se pensa que é possível conter a Rússia com o simples mecanismo das restrições económicas, não lhe sei dizer.
Diz que ela é lúcida, determinada. Tendo em conta os líderes europeus que conheceu ao longo da sua vida, ela está à altura do momento que estamos a viver?
Acho que a Europa não tem líderes políticos à altura daqueles que tiveram a ideia da unidade europeia e não abro excepções a esse julgamento.
A Grécia trouxe outra questão à Europa. A eleição do Syriza levou um confronto entre dois modelos antagónicos, sendo que um programa sufragado democraticamente a nível nacional não pode ser implementado. A democracia como a conhecemos não fica abalada?
A Europa tem uma grande tradição de os governos não cumprirem os programas que lhe serviram de base à eleição. Sabemos que isso é uma vulgaridade na Europa. Nesta questão da Grécia com a União Europeia, o problema é um bocado diferente. A União Europeia tem ela própria um programa e uma constituição. Se o país adere, toma o compromisso de os aceitar. O grande problema neste momento é a Grécia corresponder à estrutura da UE. O interesse da UE é ver se consegue encontrar uma solução que permita à Grécia resolver o seu problema.
A adesão ao programa europeu implica a adesão a uma política de austeridade?
A UE tem de rever o seu programa. Sigo muito a doutrina social da Igreja e estou sempre a chamar a atenção para a advertência do Papa: "Esta economia mata". É preciso rever o sacrifício brutal que está a ser exigido às populações. Em Portugal, a fadiga fiscal é uma coisa tremenda para a população portuguesa. O desemprego é esmagador para a juventude. O estado social está em crise. Isto obriga a UE a rever a sua atitude para salvaguardar um valor fundamental que é a unidade europeia.
Teremos uma Europa alemã ou uma Alemanha Europeia? E o problema da Grécia é europeu ou só grego?
São questões para as quais a resposta final ainda não foi dada. Mas sobre o caminho que a Europa está a trilhar, em que a economia é o combustível, Adriano Moreira não tem dúvidas: é mortífero.
Um primeiro-ministro belga disse um dia que na Europa há países que são pequenos e que o sabem, e há outros que são pequenos e não sabem. Em que grupo está Portugal?
Temos uma tradição histórica que nos faz ver em grande Portugal, sem reparar que, como disse o cardeal patriarca de Lisboa [D. Manuel Clemente], aquilo que nos resta é o território que nos calhou ou em que encalhamos. Essa mistura de atitudes é bastante vulgar na Europa sobretudo por ter havido uma espécie de império “euromundista”.
Mas nós somos mais pequenos do que pensamos?
Portugal sempre teve um projecto que excedia as suas capacidades. E os impérios que nós tivemos deixaram-nos em dificuldades enormes. O império das Índias acabou em Alcácer-Quibir e o Estado estava falido, o segundo império, o do Brasil, acabou com a independência do Brasil, e este Estado estava falido.
Que melhorámos de vida as estatísticas parecem não desmentir, mas era aquilo que esperávamos há três décadas?
Os factos vão exigindo alterações ao projecto europeu. Mas o que me parece mais saliente é que, tendo havido um progresso de grande desenvolvimento, bastante generalizado depois da queda do muro de Berlim, ao invés de estarmos numa luta ideológica, aquilo que no Ocidente desenvolveu foi o “neo-riquismo”.
Os países gastam mais do que têm. E por isso, a Europa está numa crise. Houve uma reconstituição do Império Romano mas em que a Grécia, a Itália, a Espanha e Portugal estão juntos, mas na pobreza. E o Norte, os bárbaros, estão ricos. Se isto não puder ser ultrapassado pelas negociações que estão a haver, exige uma redefinição [da União Europeia].
O que mais aflige a Europa, com esta crise, é esta não ter um conceito estratégico. A Europa não sabe se tem no futuro uma Alemanha europeia ou uma Europa alemã. Não sabe qual serão os efeitos sobre a decisão que vier na Grécia, e se esse problema é dos gregos ou dos europeus.
E é de quem?
Julgo que é da Europa. A Europa tem de tomar a consciência que está a enfrentar uma emergência militar com o avanço do Estado Islâmico, que já declarou que quer destruir a nossa “Roma”, ou seja, a nossa concepção de vida e reocupar os territórios. Não faz muitos anos que qualquer declaração destas era uma declaração de guerra. E apenas a responsável pelas Relações Internacionais e de Segurança da Europa declarou que era preciso um exército. A única pessoa que deu uma resposta positiva foi a senhora Merkel.
Precisamos de um exército europeu?
Não sei se sim, se não. Espero que os estrategas decidam isso. A livre circulação que era um direito criado para os europeus, foi interpretado como venha quem quiser. Mas criaram-se grupos que não são comunidades, são multidões, como na França e em Espanha. E isso traz uma instabilidade enorme na vida europeia.
Coloca a Europa numa crise em que distingo os seguintes factos: movimentos das pequenas pátrias que se querem tornar independentes dos estados unitários que têm – a Espanha para nós é o mais importante; a falta de confiança ou corte da confiança entre as sociedades civis e os governos – e isso mede-se pelas abstenções nas eleições; por outro lado, renascem as forças políticas reaccionárias, de regresso ao passado.
Mais uma vez, os factos estão a desafiar os tratados. Depois, temos o Mediterrâneo transformado num cemitério. O resultado é que a situação [na Europa] é de risco.
Além das questões financeiras, que consequências políticas e culturais trará para a Europa uma eventual saída da Grécia da Zona Euro?
Há dois problemas que não podem ser dissociados: a política da Rússia e a crise na Grécia. A Rússia declarou-se como o Império do Meio. Um dos grandes objectivos de sempre da Rússia foi o livre acesso às águas quentes do Sul. Se vir onde está a Grécia pode ser que isso dê algumas ideias que preocupem quem veja as coisas com esta perspectiva.
Acha que a Alemanha olha para essa questão?
Não sei, não tenho conversas com a senhora Merkel. Mas ela é uma pessoa muito lúcida e isso vê-se pelas declarações que vai fazendo. Determinada também, isso é indiscutível. Agora como vê esta situação, se pensa que é possível conter a Rússia com o simples mecanismo das restrições económicas, não lhe sei dizer.
Diz que ela é lúcida, determinada. Tendo em conta os líderes europeus que conheceu ao longo da sua vida, ela está à altura do momento que estamos a viver?
Acho que a Europa não tem líderes políticos à altura daqueles que tiveram a ideia da unidade europeia e não abro excepções a esse julgamento.
A Grécia trouxe outra questão à Europa. A eleição do Syriza levou um confronto entre dois modelos antagónicos, sendo que um programa sufragado democraticamente a nível nacional não pode ser implementado. A democracia como a conhecemos não fica abalada?
A Europa tem uma grande tradição de os governos não cumprirem os programas que lhe serviram de base à eleição. Sabemos que isso é uma vulgaridade na Europa. Nesta questão da Grécia com a União Europeia, o problema é um bocado diferente. A União Europeia tem ela própria um programa e uma constituição. Se o país adere, toma o compromisso de os aceitar. O grande problema neste momento é a Grécia corresponder à estrutura da UE. O interesse da UE é ver se consegue encontrar uma solução que permita à Grécia resolver o seu problema.
A adesão ao programa europeu implica a adesão a uma política de austeridade?
A UE tem de rever o seu programa. Sigo muito a doutrina social da Igreja e estou sempre a chamar a atenção para a advertência do Papa: "Esta economia mata". É preciso rever o sacrifício brutal que está a ser exigido às populações. Em Portugal, a fadiga fiscal é uma coisa tremenda para a população portuguesa. O desemprego é esmagador para a juventude. O estado social está em crise. Isto obriga a UE a rever a sua atitude para salvaguardar um valor fundamental que é a unidade europeia.