A população da União Europeia está cada vez mais envelhecida. Países como Portugal, Itália, Bulgária, Lituânia ou Croácia são disso maiores exemplos. Não será, então, difícil perceber os especialistas quando alertam para a necessidade de olharmos para o consumo abusivo de álcool entre os mais velhos.
As preocupações, essas, aumentam quando pensamos naqueles que podem juntar o álcool à medicação, acentuando os riscos para a saúde.
Portugal não foi caso de análise entre os especialistas, ao contrário da Alemanha, onde se concluiu que pessoas com mais de 60 anos bebem por dia mais 25% do que o valor recomendado. Nos Estados Unidos ultrapassam os 14%. Sobre o nosso país, há outros dados que fazem soar os alarmes: 105 mil idosos portugueses bebem mais de um litro de álcool por dia.
A preocupação serviu também de mote para que a Renascença entrevistasse Anette Søgaard Nielsen, à margem da conferência Lisbon Addictions, que terminou esta sexta-feira. A especialista e investigadora na área de psiquiatria e adições na Universidade do Sul da Dinamarca critica a incúria dos países europeus.
“A Europa está a ignorar o problema. É preciso que os governos e a sociedade civil intervenham, começando, desde logo, por falar sobre o problema. Muitas pessoas julgam que não se deve falar do alcoolismo entre a população mais envelhecida porque, lá está, dizem que ‘são velhos’, ou que ’não lhes podemos retirar alguns dos prazeres que têm na vida’, e isso é um erro. Porque quanto mais se bebe, mais sozinho se fica e mais problemas de saúde se desenvolvem”, alerta.
A pergunta impõe-se: os Governos devem intervir de que forma? ”Alertando para o risco do alcoolismo na velhice. Falando do assunto nos hospitais, nos serviços de segurança social, nos centros de dia ou lares, entre os cuidadores informais destas pessoas.”
E numa altura em que metade dos episódios de violência doméstica acontecem em Portugal sob efeito de álcool, de que forma é que esta especialista, longe da realidade portuguesa, olha para o nosso país?
”É claro que o alcoolismo está muito relacionado com a violência doméstica. E não sei ao certo que medidas deveriam ser implementadas para reduzir os números, mas penso que Portugal está já a fazer muito para combater o problema. Ao combater o problema do alcoolismo também se está a combater a violência doméstica, pois são indissociáveis. A solução mais eficiente passa por muitas vezes resolver primeiro o problema do alcoolismo.”
Canábis. Um aliado ou uma ameaça para a ciência?
É a droga mais consumida em Portugal e tem ganhado fama com o uso legalmente admitido para fins medicinais. Mas os especialistas continuam com uma certeza: o cérebro é que paga.
São conclusões que deixam a plateia confusa. Afinal de contas, a canábis pode ser terapêutica em casos de oncologia e epilepsia, mas os efeitos negativos pesam mais?
Para Marilyn Huestis, investigadora norte-americana que preside ao Instituto da Toxicologia Huestis & Smith, há números que começam a causar preocupação. Basta, para isso, olhar para o seu país, onde 10 milhões de pessoas consomem canábis diariamente e o problema, diz, é que "a juventude vê o consumo de canábis como um comportamento cada vez menos perigoso".
É com "surpresa" e "espanto", admite, que dá conta de que são muitos os pais que desvalorizam as consequências, sobretudo depois de o estado do Colorado ter legalizado a canábis para fins recreativos.
O consumo foi de tal forma desvalorizado que Huestis considera que os pais “estão mais preocupados que os filhos bebam álcool do que fumem charros".
A verdade é que o paradoxo de consumir algo que nos faz bem e mal ao mesmo tempo gerou um consenso entre os especialistas: é preciso informar mais e melhor a sociedade para que entenda os riscos e os benefícios da planta.
Ficou ainda uma questão a pairar, sem grandes respostas: quem está a ganhar mais, a indústria ou a ciência?
À procura de soluções, “sem proibir ou criminalizar”
De que forma é que a sociedade civil e as comunidades afetadas podem ajudar a definir políticas e boas práticas no problema das adições? Eis a questão em cima da mesa no chamado “Big debate”.
A cada pergunta, surgiam outras três mais silenciosas na plateia, mas não será difícil concluir duas coisas: os países europeus pecam por estar sempre à espera uns dos outros para assumir políticas no combate à droga e, por outro lado, os governantes parecem ter medo de serem condenados pela sociedade civil.
A ideia de que é preciso dar mais tempo e oportunidades às pessoas adictas para que partilhem as suas experiências está no topo das prioridades, pelo menos para Tony Duffin, diretor executivo do projeto Ana Liffey Drug, que tem em vista um programa em que as pessoas com dependências podem ”falar em primeira mão” dos problemas que sofreram e ajudam a perceber que ”é possível chegar a soluções sem a necessidade de proibir ou criminalizar”.
Também Marie Nougier, chefe de comunicação do Consórcio Internacional sobre Políticas de Drogas, diz que ”a partilha de experiências pode trazer avanços na investigação”.
Mas o caminho parece não ser assim tão fácil, pelo menos para Mariann Skar, secretária geral da Eurocare, a Aliança Europeia de Políticas sobre o Álcool, que garante já ter tido ”muitas dificuldades” ao tentar abordar o combate às drogas em países como as Filipinas ou o Brasil. Porquê? “Porque muitas vezes as organizações são silenciadas e intimidadas pelos Governos ou, por exemplo, pelas Nações Unidas.”
”As Nações Unidas tratam-nos como ‘convidados’ e não como verdadeiros intervenientes e críticos nos debates”, explica.