Há "terrorismo psicológico" sobre os moradores do Centro Histórico do Porto
28-05-2018 - 13:00

O presidente da União de Freguesias pede às populações que não se deixem pressionar e recorram à ajuda da autarquia. Ao mesmo tempo, surge um movimento cívico - "O Porto não se vende" - dinamizado por quem acredita que "ainda há Porto para salvar".

O presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto, António Fonseca denuncia a existência de "terrorismo psicológico" exercido sobre os moradores do território que agrega Sé, São Nicolau, Miragaia, Vitória, Cedofeita e Santo Ildefonso.

O turismo faz disparar a procura de casas e todo o espaço tende a ser transformado em alojamento para visitantes da cidade, pelo que a pressão sobre os residentes é permanente.

António Fonseca identifica, em declarações à Renascença, dois tipos de acção que enquadra nesta atmosfera "terrorismo psicológico".

"O primeiro verifica-se, por exemplo, quando o morador sai da porta e vê na fachada da sua casa o letreiro 'vende-se". São pessoas, muitas vezes com 80 ou 90 anos, a quem dizem 'pode continuar a morar aí', mas que começam a ver o vai-vem de empreiteiros, arquitectos e engenheiros que cria uma pressão psicológica, como se lhes dissessem 'veja lá se morre depressa'", aponta o autarca.

A segunda forma de "terrorismo psicológico" é atribuída por António Fonseca aos "senhorios sem rosto, os fundos imobiliários, que não têm sensibilidade social e chegam ao ponto de publicarem anúncios" direcionados para proprietários com a mensagem "venda mesmo se tiver inquilinos, que nós resolvemos o problema".

O presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto apela aos moradores que mantenham "a calma" e procurem os eleitos locais quando se sentirem "pressionadas".

"Às pessoas que estejam a sofrer alguma pressão peço que mantenham a calma, não assinem nada, não se precipitem e se dirijam à junta. Levem todos os documentos, passem todos os contactos de quem os possa ter pressionado que nós temos aqui assistentes sociais para acompanhar o processo", diz Fonseca.

A pressão imobiliária nunca foi tão asfixiante. As propostas para adquirir os imóveis chegam, muitas vezes por correio, com valores que seduzem os senhorios. Segundo autarca, muitos inquilinos acabam por ceder, frequentemente, por desconhecimento dos seus direitos.

"O Porto não se vende"

É neste quadro que surgiu o movimento "O Porto não se vende", que, de acordo com Ana Barbosa, uma das dinamizadoras, "quer ser um movimento de concentração das pessoas, para que as pessoas possam, coletivamente, ajudar-se e perceber como é que podem agir, nomeadamente quanto à informação. Perceber como se podem proteger dos despejos e do assédio imobiliário, como podem resistir".

Espalhados pelas janelas de Miragaia, os lembretes em papel das Assembleias de Moradores relembram a importância de debater o que Ana Barbosa apelida de "imperialismo do mercado", um problema que, do seu ponto de vista, é reversível.

"No dia 25, dinamizámos a segunda Assembleia de Moradores, na Vitória, e queremos alargar a outras freguesias para que as pessoas unam esforços e comecem um processo de resistência popular. Ainda há Porto para salvar", reforça.

Para Ana Barbosa, "a Câmara está a privilegiar a zona histórica para os alojamentos locais e para os hotéis. Existe muito alojamento local falso e a Câmara não se tem preocupado em fiscalizar. Está a deixar que o mercado regule a zona histórica".

"A especulação imobiliária leva a que os portuenses não consigam suportar os preços a que a habitação chegou. Não é o caso de não querermos turismo na cidade, mas não queremos um turismo que nos ponha a competir com ele pelo espaço da cidade. Queremos um turismo regulado."

Ana Barbosa reconhece que a cidade do passado era mais obscura, mas critica as soluções encontradas para dar vida ao centro do Porto: "É verdade que o Porto já foi escuro e inseguro, havia menos pessoas a circular nas ruas, havia muitos prédios devolutos. No entanto, a solução que se encontrou foi reabilitar prédios que não são habitados por gente da cidade."

"A lei Cristas veio facilitar os despejos e a proliferação de contratos de habitação de apenas um ano, que é um intervalo de tempo muito curto para uma casa, pensando no esforço que exige uma mudança. Ou seja, veio proteger uma forma desumana de pensar a questão da habitação. Passa a tratar-se apenas de contratos como outros quaisquer e não de pessoas e das suas vidas", aponta, ainda Ana Barbosa, deixando uma última nota: "A habitação é fundamental na vida das pessoas. Por isso é que ela é um direito constitucional, previsto no artigo 65."