Um debate sobre respostas sociais à pandemia culminou com uma longa discussão sobre a descentralização e a transferência das competências do Governo para as autarquias. Se, por um lado, os autarcas de Vila Nova de Gaia e Bragança acreditam na descentralização (um de forma mais faseada que o outro), o presidente da Câmara Municipal de Loures duvida dos benefícios do processo.
Na conferência Pandemia: Respostas à Crise, uma iniciativa da Renascença em parceria com a Câmara Municipal de Gaia para debater o papel das Instituições Sociais e do Poder Local, Eduardo Vitor Rodrigues, autarca de Gaia, vincou que o risco financeiro de uma descentralização na ação social é "altamente compensado a criação de uma verdadeira rede que vá muito para além da vontade pontual do autarca apoiar a estrutura".
"Temos de avançar para descentralizações. Tratar por igual aquilo que é diferente significa reproduzir as diferenças e não corrigir as desigualdades", disse Eduardo Vitor Rodrigues, durante o debate moderado pelo jornalista da Renascença José Pedro Frazão.
Em Vila Nova de Gaia, o presidente da câmara do Partido Socialista sublinha que existe uma estrutura montada na ação social "em que as IPSS sabem que o município não quer criar um ministério da Seguração Social em Gaia". Mas, alerta, ainda não é possível descentralizar na educação e na saúde porque "ainda há muita a perspetiva de que na verdade isto não corresponda a um efeito de descentralização mas mais a um efeito de reforço dos poderes das câmaras".
"O pior que podemos fazer é a reboque da ideia da descentralização, termos um novo centralismo no presidente da câmara", disse.
Descentralização diminui recursos, avisa Bernardino Soares
Do outro lado, o presidente da câmara de Loures, Bernardino Soares, defende que passando as competências para as autarquias, o processo iria diminuir os recursos alocados para as autarquias, em vez de os aumentar.
"Os recursos não aumentam. Quando temos fracos recursos nas instituições da administração central e são esses que são transferidos para as autarquias, o que o Estado faz é dizer às autarquias que têm de repor os recursos que faltam. Estamos a desresponsabilizar a administração central com a miragem que as autarquias são capazes de resolver todos os problemas. Não vamos multiplicar os recursos, vamos diminuí-los", defende o autarca da CDU, do concelho da Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Além disso, Bernardino Soares mostra-se preocupado com "uma diferenciação territorial mais acentuada nas respostas em áreas em que os direitos devem ser universais". "Não podemos ter respostas diferenciadas em função do concelho em que se está. Não é uma boa solução e não vem resolver os problemas de articulação no terreno", disse, que lembra que o problema da gestão centralizada não é devido a Lisboa, já que Loures tem "problemas semelhantes a concelhos mais afastados, apesar de termos fronteira com Lisboa".
O autarca vinca que o processo de descentralização tem o principal objetivo de "conter o aumento da despesa pública" e afirma que "se falamos da necessidade de mais investimento na área social, não é com uma política que tem como alicerce a contenção da despesa pública que vamos lá chegar".
"A distância nunca levará a uma boa resolução dos problemas"
Do lado do presidente da câmara de Vila Nova de Gaia colocou-se Hernâni Dias. O autarca de Bragança, representando os concelhos mais interior dos três "em palco", defende que o processo de descentralização deve ser gradual, até os municípios estarem preparados para acolher a responsabilidade acrescida.
"As competências deveriam ser assumidas quando os municípios entendessem estar num processo de maturidade tal que lhes permitissem ficar confortáveis ao assumir determinadas competências. Quando todos são tratados por igual, as coisas não vão funcionar", defende o presidente da Câmara Municipal de Bragança.
Para Hernâni Dias, "a distância nunca levará a uma boa resolução dos problemas" e a ação social torna-se mais difícil quando "o processo e a definição da delegação de competências está a ser trabalhado em Lisboa".
"É necessário ir ao terreno, avaliar a realidade local e definir políticas consentâneas com o interesse da comunidade daqueles territórios, e não fazer um pacote e toda a gente tem aquele pacote para se desenrascar", exige.
Mas Bernardino Soares discorda e adverte que uma transição gradual, proposta pelos dois autarcas, tornaria os municípios em "empreiteiros e prestadores de serviço do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação".
"Passamos a tratar dos contratos da vigilância, da limpeza das instalações, dos custos com combustíveis, mas não passamos a ter nenhuma influência maior, a não ser aquela que já temos por naturais razões políticas de diálogo com o Governo em relação à definição de orientações estratégicas", diz.