Cerca de três centenas de enfermeiros concentraram-se esta quinta-feira em frente ao Parlamento. Exigem respeito pela sua profissão, o que implica valorização das carreiras que, dizem, estão estagnadas há 20 anos.
Responderam ao apelo de todos os sindicatos que, pela primeira vez, se uniram em torno de um objetivo. Os respetivos líderes, apesar de não duvidarem da capacidade de mobilização da classe, realçaram que os enfermeiros também têm que estar unidos e fazer ouvir o seu descontentamento.
O chumbo da proposta de Orçamento do Estado para 2022 deverá determinar a dissolução da Assembleia da República e a queda do Governo. Os enfermeiros deixam de ter interlocutor para discutir as suas reivindicações, mas não desistiram da concentração desta quinta-feira.
Quanto à greve agendada para a próxima semana (3 e 4 de novembro) ainda poderá ser desconvocada. Os líderes sindicais reuniram-se depois da manifestação para ponderar os prós e contras. Depois cada um dos sindicatos anunciará a decisão; o objetivo é que seja unânime.
Entretanto, já decidiram que têm que preparar as ações para a próxima legislatura e sensibilizar os partidos concorrentes às legislativas para as reivindicações dos enfermeiros.
A união, para fazer a força
Sem pré-aviso de greve, os enfermeiros que estiveram esta tarde em São Bento usaram as folgas ou um dia de férias para poder vir à manifestação exigir ao Governo e ao Parlamento mais respeito e consideração por aqueles que estão sempre presentes e estiveram “na linha da frente” durante a pandemia, frisa à Renascença a presidente do Sindicato Independente de Todos os Enfermeiros Unidos (SITEU).
“Estamos aqui porque resolvemos vir dizer a este Governo e da direita à esquerda que o SNS tem que ter saúde e os direitos dos enfermeiros têm que estar presentes, tem que haver respeito pelos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde”, diz Goreti Pimentel.
Conseguiram que os sete sindicatos do setor filiados na UGT, CGTP ou independentes, se unissem e foi nessa lógica que todos os líderes sindicais subiram à tribuna, desta vez, montada numa carrinha de som da UGT.
Apelaram à mobilização de todos os profissionais “porque os enfermeiros quando estão unidos são muito fortes”, frisou Carlos ramalho, presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), em declarações à Renascença.
Por seu turno, Lúcia leite, presidente da Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros, justifica o reforço do apelo porque “os enfermeiros estão muito desmotivados. Já fizeram diversas ações de luta e quando acreditámos que algumas coisas iam melhorar, traíram-nos sempre”.
Quanto à concretização da greve agendada para a próxima semana, a 3 e 4 de novembro, é para avaliar. Depois da concentração os dirigentes sindicais reuniram-se e vão discutir se vale a pena manter a forma de luta quando deixam de ter um interlocutor, uma vez que a dissolução da Assembleia da República e queda do Governo é dada como certa, faltando apenas a palavra final do Presidente da República.
“Muita coisa mudou nas últimas 24h00 e os sindicatos também têm que refletir sobre isso. Não queremos prejudicar ainda mais a situação social do país, mas queremos chamar a atenção e dar visibilidade aos nossos problemas porque há muito tempo que andamos a falar deles e os sucessivos governos não os têm considerado”, argumenta Carlos Ramalho.
Lúcia Leite “alerta” os partidos concorrentes às próximas legislativas: “é bom que coloquem nos programas eleitorais a valorização das carreiras dos enfermeiros porque durante a campanha eleitoral vamo-nos organizar; temos muito tempo para organizar as nossas ações até fevereiro”.
Exaustos e mal pagos, com muitos ou poucos anos de carreira
Isabel Telo é enfermeira há 35 anos, mas a valorização da carreira parou há mais de duas décadas, em 2009. Daí para cá, diz à Renascença, não houve qualquer aumento. Confessa-se “desencantada” e frisa que todos estão exaustos porque não há enfermeiros suficientes.
“Se não estamos motivados, também não conseguimos ter toda a disponibilidade para os doentes, embora todos os dias façamos o nosso melhor. Elogiaram-nos durante a pandemia, mas eu não consigo pagar a conta do supermercado com palmas”, diz esta enfermeira do Hospital de Portalegre.
De cravo branco na mão e camisolas em que ostentavam o orgulho na profissão, os enfermeiros fizeram ouvir a sua voz ao fundo da escadaria de S. Bento, vigiados pela PSP e com a companhia de algumas dezenas de antigos combatentes que também ali se manifestavam. A determinada altura, trocaram-se elogios e em conjunto, todos cantaram o hino nacional.
Entre eles estavam três enfermeiras do Hospital de S. Bernardo: Cátia Silva, enfermeira há 13 anos justifica a presença com a necessidade de reconhecimento..
“Fomos todos elogiados com a resposta que demos à Covid, mas o nosso reconhecimento foram palmas à janela e palmadinhas nas costas; falta-nos o resto: a carreira, os vencimentos, melhores condições de trabalho.”
Matilde Guerreiro, enfermeira especialista na Urgência Geral, há dez anos na profissão, considera que o chumbo do Orçamento limita uma resposta mais rápida, mas defende que, depois da pandemia, esta era a melhor altura para manifestar o descontentamento. E na prática, “todas as pessoas que estão ali (na Assembleia da República) não deixam de saber porque estamos aqui. Queremos melhores condições para prestar melhores cuidados aos portugueses”.
Carolina Soares é a mais nova do grupo. É enfermeira há apenas dois anos. Mas na prática, ganha o mesmo que as colegas mais antigas na profissão, à volta de mil euros, se não houver subsídios de turno ou trabalho noturno.
Foi a dignificação da carreira, melhor remuneração e melhores condições de trabalho que também trouxe João Almeida à concentração. É enfermeiro há três anos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e também defende uma progressão justa na carreira, que não deixe os colegas mais antigos com o mesmo vencimento que o dos que entram agora. Sublinhando que mesmo os mais novos ganham mal.
José Carlos Martins, presidente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, frisa que o SIADAP não se é um sistema de avaliação adequado à carreira de enfermagem.
“O sistema de pontos e de cotas origina uma série de injustiças e desigualdades que fazem com que pessoas com mais de duas dezenas de anos de profissão ganhem praticamente o mesmo que um jovem licenciado. Essa é uma das situações que tem que ser corrigida.”
Por outro lado, diz que os enfermeiros também têm que ser compensados pelo grande desgaste da profissão, pelo risco e penosidade. E os sindicatos defendem que o acesso à aposentação deve ser feito com 36 anos de carreira.