Será que o Reino Unido vai ter finalmente um primeiro-ministro católico? A resposta é mais complicada do que parece.
À primeira vista, Boris Johnson pode ser visto como católico uma vez que foi batizado na Igreja Católica quando nasceu. A sua mãe, Charlotte era católica, filha de mãe originalmente judia e pai originalmente anglicano que se converteram ao catolicismo.
Não consta que a família Johnson fosse particularmente devota, todavia, e mais tarde, quando estudava no exclusivíssimo colégio interno de Eton Boris optou por ser crismado na Igreja Anglicana.
Porquê? De acordo com o perfil que a Renascença publicou sobre Johnson na terça-feira, quando venceu a corrida à liderança do Partido Conservador, Johnson teve uma reação peculiar na escola quando os seus colegas começaram a gozar com o facto de ele ter ascendência turca, defendendo-se pela adoção de uma personalidade ultra-britânica no comportamento, modo de vestir e forma de falar. A adesão à Igreja Anglicana poderá ter sido mais um passo nesse sentido.
Portanto parece seguro dizer que Boris não se sente católico, embora também não conste que seja um anglicano praticante. Mas aos olhos da Igreja como é que se vê a situação? Segundo a doutrina católica é indiferente como a pessoa se sente e salvo uma declaração formal de apostasia, isto é, de abandono da fé, uma pessoa batizada na Igreja Católica é católica.
O crisma na Igreja Anglicana terá contado como ato formal de apostasia? Não necessariamente, uma vez que foi recebido quando Johnson era menor não é claro que a Igreja a visse como válida. Para uma verdadeira clarificação seria necessário ter acesso a informação sobre o seu estado de espírito na altura, algo que apenas Johnson poderia fornecer.
Certo é que por enquanto o assunto tem servido apenas para entreter católicos britânicos nas redes sociais, uma vez que a Igreja Católica não está particularmente preocupada em reivindicar como seu um homem conhecido pelas suas múltiplas infidelidades, filhos nascidos fora do casamento e defesa do aborto, que apesar de revelar profundos conhecimentos bíblicos nos seus discursos e artigos, nunca deu grandes sinais de que a fé era importante na sua vida.
Mas do ponto de vista histórico a questão também é interessante, uma vez que o Reino Unido nunca teve um primeiro-ministro católico, apesar de já não existirem restrições a católicos exercerem funções estatais desde 1829, com algumas exceções, incluindo de monarca, que por inerência é chefe da Igreja Anglicana.
Na prática parece haver consenso de que o catolicismo jamais seria visto como um impedimento ao exercício do cargo, mas existem algumas dificuldades. Os bispos anglicanos, por exemplo, são nomeados pela Rainha, mas após recomendação do Governo, o que levantaria a estranha situação de um católico estar a desempenhar um papel importante na nomeação de bispos anglicanos.
Até hoje o mais próximo que houve de um primeiro-ministro católico foi Tony Blair, cuja mulher Cherie era católica. Os dois iam à missa católica todos os domingos e Blair comungava, até que o arcebispo de Westminster lhe pediu para deixar de o fazer. Só depois de abandonar as suas funções é que Blair entrou formalmente para a Igreja Católica. Curiosamente, enquanto foi primeiro-ministro, os líderes de ambos os principais partidos da oposição, Iain Duncan Smith, dos conservadores e Charles Kennedy dos Liberais Democratas, eram católicos, mas Blair foi sucedido por Gordon Brown, que era filho de um clérigo da Igreja da Escócia, protestante.
O Número 10 de Downing Street continua, assim, à espera do seu primeiro ocupante indiscutivelmente católico.