Já aqui referi que em minha opinião as elites portuguesas têm historicamente uma visão miserabilista dos salários, opondo-se mais ou menos abertamente à sua valorização. Não tenho a pretensão de fundamentar historicamente este enviesamento, mas ele torna-se muito evidente na situação actual.
É quase escandaloso que os salários reais tenham estagnado, ou quase, em 2022, quando houve um forte crescimento do PIB como não temos visto nas últimas décadas. É certo que se tratou de uma recuperação face à queda provocada pela pandemia, mas não deixa de ser crescimento económico e os salários reais deveriam ter crescido com a produtividade (que terá aumentado 5%) e não estagnado.
O resultado foi o expectável: muitos sectores, alguns dos quais produtores de serviços essenciais, entraram em greve com prejuízo muito significativo para os utentes. É impossível não dar razão aos grevistas.
O caso mais paradigmático é o dos funcionários públicos. Grande número deles sofreu a maior queda de salário real de que há registo em situação de crescimento económico forte. Pode dizer-se que o impensável em macroeconomia aconteceu.
Dentro dos servidores públicos sobressaem os professores. Como vai longe a paixão pela educação!
Não sou comentador político, mas julgo ter algum conhecimento dos efeitos das políticas económicas. A perda de salários reais dos funcionários públicos ocorrida em 2022 (tirando o caso dos rendimentos mais baixos) nunca mais será recuperada porque o miserabilismo em relação aos vencimentos da função pública ainda é mais acentuado que o miserabilismo salarial geral, o que impede que os salários da função pública aumentem mais que a inflação. Por isso é de admitir que nos dez ou vinte anos futuros muitos funcionários continuarão a atribuir a este governo uma queda brutal dos seus rendimentos reais.