É na rua que dormem e onde comem também, antes e agora. Foi lá também que os técnicos da Impulsar, uma IPSS de Leiria que apoia pessoas sem-abrigo, lhes explicou esta sexta-feira os cuidados redobrados a ter em tempos de pandemia de coronavírus.
“Lavar as mãos, manter uma distância superior a um ou dois metros das outras pessoas, não estar com muita gente e não me isolar com pessoas que têm esse problema."
Mas com toda essa informação, saberá António quais são os sintomas da Covid-19? "Por acaso o senhor pergunta a quem não sabe. Creio que é sentir que se tem febre."
Mário, outro homem sem abrigo, responde: "Tosse e febre". Nada que tenha sentido por estes dias. "Não tenho sintomas, não tenho tosse, não tenho gripe, não tenho nada graças a Deus."
Não tem, e faz por não ter, garante. “Eu lavo as mãos quase todos os dias, de manhã à noite. Pronto, tomo cuidados...os conselhos que vou recebendo aqui."
Mas nem todos os sem-abrigo têm acesso à informação e, como toda população, também entre eles há dúvidas e receios, explica a coordenadora da Impulsar.
"O nosso trabalho também é desmistificar"
“Já tivemos a situação de um senhor que acompanhamos, que nos relatou que estava com medo de ir ao local onde geralmente almoçava por receio de apanhar o vírus", conta Lisete Cordeiro.
O que a equipa fez foi "sensibilizá-lo" para ir, assegurando-lhe que "a comida está a ser entregue nas devidas condições" e que o espaço até foi fechado. "Só estão a entregar individualmente a alimentação. O nosso trabalho é, também, desmistificar algumas coisas."
À Renascença, a coordenadora do projeto reconhece que é complicado proteger estas pessoas do coronavírus: há conselhos e pouco mais.
"Não é fácil garantir, por exemplo, soluções alcoólicas ou o que quer que seja para estas pessoas. Temos distribuído os toalhetes que temos para a troca de seringas. Distribuímos esses toalhetes por estas populações para, de alguma forma, irem tomando algumas medidas e alguns cuidados de higiene."
Questionado sobre se a habitual ajuda alimentar continua a chegar, António assegura que a alimentação não tem sido problema: "Eu vou ao centro de acolhimento buscar a comida, mas não almoçamos nem jantamos lá dentro."
Em tempos de pandemia, também não é simples tomar algumas decisões; juntar várias pessoas sem abrigo sob um teto comum, por exemplo, pode ser arriscado.
"De facto, colocá-los a todos em locais com muita gente talvez possa não ser a melhor solução", reconhece a coordenadora da Impulsar. "Tem de haver aqui soluções mistas e adaptar a cada situação, por forma a garantir as condições de higiene e de saúde desta população."
É que cada pessoa é uma pessoa e aos sem-abrigo de nada vale dizer: "Vão para casa."
*Uma reportagem em Leiria feita a partir de casa. A Renascença leva a sério as recomendações de isolamento das autoridades de saúde e tem a maioria dos seus funcionários em teletrabalho, como muitos dos portugueses também estão. Este artigo foi produzido com base em telefonemas com António, Mário e Lisete Cordeiro, a partir do Porto.
Evolução do coronavírus em Portugal