Para o pai e para a avó, a suspensão das missas foi difícil, mas não foi um dano irremediável. O hábito está construído; será recuperado em breve. Mas, para a filha, o fim da catequese e do hábito da missa, sim, teve e ainda tem um potencial de destruição irreparável na educação da fé e até na educação cívica. Ir à missa não é só um momento espiritual da nossa relação com Jesus, é também um momento de convívio. "Igreja", se bem me lembro, quer dizer casa e comunidade e, como sabem, é muito difícil educar na cidadania e na religiosidade uma geração que se mutila com telemóveis e que se aprisiona nas redes sociais. O #ficaremcasa afastou ainda mais os miúdos da igreja, da paróquia, da família, da vizinhança, do clube, de qualquer pertença comunitária.
É por isso que saúdo as mudanças deste segundo #ficaremcasa, que recusa os excessos draconianos do primeiro, sobretudo aqueles relacionados com o cancelamento da infância. Proteger os meus pais, tios e sogros não pode determinar uma terra queimada na educação e no futuro das minhas filhas. Na gestão da pandemia, tem de existir um equilíbrio geracional, que não foi respeitado na primeira fase. Os miúdos não aprenderam com a escola à distância. E este atraso educativo torna-se incomportável quando isolamos os miúdos mais pobres, sem acesso a computadores e, sobretudo, com pais sem capital cultural para substituírem os professores. O #ficaremcasa é um fator de empobrecimento de quem já é pobre cultural e materialmente falando. Dois #ficaremcasa aplicados à escola seria o equivalente a uma condenação social irreparável para um garoto mais pobre. Irreparável.
Manter as escolas abertas é a decisão certa. Sabemos que o vírus não mata crianças. Sabemos que o vírus não é transmitido com grande intensidade pelas crianças. Há um consenso científico desde que a Dinamarca abriu as escolas logo em Abril: fechar as escolas não é um factor determinante no combate à pandemia; a reabertura de escolas não está relacionada com o aumento dos casos; os casos que aparecem na escola têm o foco de infecção fora da escola e não dentro. Aliás, como salientou o primeiro-ministro, os picos da covid estão mais relacionados com os períodos em que os miúdos estão em casa (férias) do que com os períodos em que os miúdos estão nas escolas. Há que tirar os miúdos de casa, e não da escola. Há que tirar os miúdos de casa, e não da catequese e dos escuteiros.