Pelo menos 60 religiosos da Igreja Católica saíram ou foram expulsos da Nicarágua desde abril de 2018, no contexto da crise sociopolítica, informou esta quarta-feira o Coletivo de Direitos Humanos Nicarágua Nunca Mais.
"Contamos mais de 60 religiosos que foram deslocados, privados do passaporte, da nacionalidade, da residência, impedidos de entrar na Nicarágua, ou que decidiram exilar-se", disse à agência de notícias Efe o advogado do Yader Valdivia, um dos responsáveis pela documentação destes casos naquela organização.
A informação foi tornada pública por esta organização humanitária, constituída por ativistas nicaraguenses exilados na Costa Rica, num relatório sobre a situação de presos políticos, ilegalização de organizações não-governamentais (ONG) e "violência e perseguição brutal por parte do Estado contra a Igreja Católica".
Valdivia explicou que os religiosos têm sofrido deslocações forçadas desde abril de 2018, quando uma revolta popular irrompeu por causa de reformas controversas da segurança social e depois se transformou num movimento exigindo a demissão do Presidente, Daniel Ortega.
Valdivia disse que pelo menos 30 religiosos "decidiram ir para o exílio para proteger as suas vidas e integridade física".
A ONG observou que "a deslocação forçada de grupos religiosos é um padrão generalizado a nível nacional".
"É uma das medidas tomadas pelo regime para silenciar as últimas vozes organizadas legítimas que existem na Nicarágua, como a Igreja Católica. O regime foi contra os 'media', contra as organizações de direitos humanos, contra os ativistas, a Igreja, os artistas", afirmou.
Na Nicarágua, a Igreja Católica também denunciou os ataques às suas igrejas e o encerramento de uma dúzia de meios de comunicação social.
Na semana passada, Daniel Ortega atacou a Igreja Católica, acusando-a de não praticar a democracia, de ser uma "ditadura" e uma "tirania perfeita" e de ter usado "os seus bispos na Nicarágua para encenar um golpe" contra o seu governo no contexto das manifestações, desde 2018.
O líder sandinista também classificou as hierarquias católicas nicaraguenses como "golpistas" e "terroristas".
Bispo de Matagalpa continua detido
D. Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa cumpre este sábado, 8 de Outubro, 50 dias da detenção. Segundo o jornal La Prensa, publicado na Nicarágua, o estado de saúde do prelado tem sofrido um “agravamento”, nomeadamente ao nível cardíaco.
A prisão do responsável católico, ocorrida na madrugada de 19 de Agosto, foi um dos momentos mais marcantes, nos últimos tempos, da repressão das autoridades sobre a comunidade cristã nicaraguense, mas não o único.
De acordo com a fundação AIS, antes de o bispo ter sido colocado em prisão domiciliária, o Governo de Daniel Ortega expulsava o núncio apostólico, Waldemar Stanislaw Sommertag, forçava a saída do país das Missionárias da Caridade, a congregação fundada pela Santa Madre Teresa de Calcutá, assim como de outros religiosos e sacerdotes, e provocava também o encerramento do canal de televisão da Conferência Episcopal e de outras seis estações de rádio católicas.
O caso mais recente de atropelo à liberdade religiosa ocorreu no dia 19 de Setembro, com as autoridades a impedirem, “por razões de segurança pública”, a procissão a São Miguel Arcanjo, na cidade de Masaya.
Sinal de que esta situação é preocupante, dias antes de a procissão ser proibida, o Parlamento Europeu fazia aprovar, a 15 de Setembro, e por larguíssima maioria [538 votos a favor e apenas 16 contra], uma resolução exigindo “a libertação imediata” de D. Rolando e dos demais presos por perseguição religiosa. Também o Papa Francisco já manifestou a sua preocupação e dor perante a situação que a Nicarágua está a viver.
Além do Bispo de Matagalpa, há, atualmente, seis padres detidos no país. E em menos de quatro anos, a Igreja Católica já sofreu mais de 190 ataques e atos de profanação.
Segundo a fundação pontifícia, para além das ações repressivas contra membros do clero e a proibição, por exemplo, de procissões, há registo de ouros incidentes como a interrupção de celebrações religiosas, a intimidação de fiéis por destacamentos policiais nas imediações das igrejas, e a ameaça a proprietários de meios de transporte se estes colaborarem no transporte de fiéis em atividades religiosas.
"A Nicarágua continua a ser agitada pela crise que se iniciou há mais de quatro anos”, explicava recentemente Regina Lynch, diretora de projetos internacionais da AIS.
“A situação neste país da América Central é crítica, com grande polarização e confrontos. Acreditamos que a oração é mais importante do que nunca neste momento”, dizia a responsável da Fundação AIS que tem acompanhado com especial preocupação todos estes acontecimentos.