Não se reduz o plástico “num estalar de dedos”. Governo admite incentivos fiscais
03-06-2018 - 09:28

Consumidores, produtores e distribuidores são os destinatários das medidas que estão a ser analisadas por um grupo de trabalho.

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Reduzir a utilização de plástico pode ser um dos objetivos a incluir no Orçamento do Estado para 2019. Entre as medidas possíveis estão incentivos fiscais ou taxas para sinalética para lojas com boas práticas ou partilha de utensílios entre cafés.

"Tentaremos consensualizar legislação complementar" e contratualizar com os operadores que têm atividade relacionada com o consumo de plástico e ver em que medida, no Orçamento do Estado para 2019, o que for matéria de natureza fiscal "pode estar refletido, quer seja de incentivo a outras alternativas, quer seja uma taxação para reduzir" a utilização daquele material, avança o secretário de Estado do Ambiente à agência Lusa.

Os incentivos teriam como objetivo a mudança de comportamentos entre os consumidores e a incorporação de novas alternativas tecnológicas entre os produtores ou distribuidores de bens.

As mudanças de comportamento, apontou, "não se fazem por um estalar de dedos, as pessoas não conseguem alterar as suas rotinas de uma forma radical só porque sai uma lei ou uma orientação, precisam de tempo para se adaptar [como] as indústrias, os restaurantes, os próprios distribuidores e produtores".

"Gostaríamos de dar sinais claros de que pode haver agravamentos fiscais no futuro, que pode haver benefícios fiscais, por outro lado", incentivos a melhor 'ecodesign', por exemplo, avança Carlos Martins.

Todos os agentes envolvidos

O grupo de trabalho criado para debater formas de enfrentar o problema da poluição dos plásticos, através da redução da sua utilização e da substituição por outro tipo de materiais, reúne entidades de várias áreas, de consumidores a fabricantes, distribuição, restauração, organizações ambientalistas ou centros de investigação e inovação.

Carlos Martins diz que o resultado será apresentado a 8 de junho, numa cerimónia para a qual foi convidado um representante da Comissão Europeia. Foi há pouco tempo definida uma estratégia da Europa para enfrentar esta problemática, tendo Portugal "antecipando as reflexões" dos organismos europeus, embora tendo em conta o seu alinhamento.

O secretário de Estado explica ainda que, além deste trabalho, outros contactos têm sido feitos, nomeadamente com a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) ou a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), dois setores com um papel relevante no consumo de embalagens plásticas.


Recentemente, a AHRESP lançou uma campanha de sensibilização para a redução de plásticos, resultado de uma candidatura ao apoio do Fundo Ambiental para "Repensar os Plásticos na Economia: Desenhar, Usar, Regenerar".

Aquela associação, bem como a dos hiper e supermercados, segundo o governante, já transmitiram disponibilidade para avaliar a definição de acordos voluntários que conduzam a ações concretas, com base em boas práticas, até ao final do ano.

"Há ideia de vir a criar uma sinalética própria para os estabelecimentos que adotarem e cumprirem essas boas práticas de maneira a que cada um, quando vai a um estabelecimento, [saiba] que nessa unidade são cumpridos princípios", na área dos plásticos, ou outras práticas ambientais "reconhecidas, validadas e auditadas", refere Carlos Martins.


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O Fundo Ambiental poderá avançar com algum apoio para que as áreas de restauração das grandes superfícies introduzam alterações, por substituição de materiais ou por uma maior partilha de utensílios que possam voltar a ser utilizados.

O secretário de Estado exemplifica com a instalação de uma zona de lavagem coletiva de copos, facas, garfos, colheres, pratos de materiais que possam ser reutilizáveis, resultando na redução da quantidade de plástico.

"Esta abertura pode vir a ter sucesso até ao final do ano, em um ou dois casos mais emblemáticos, mas gostaríamos que essa prática depois se estendesse", aponta.

Outra possibilidade poderá ser um projeto em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, contemplando experiências piloto em zonas da cidade com mais bares, para "um tipo de abordagem mais criativa", indica ainda Carlos Martins, embora reconheça que, muitas vezes, a substituição de materiais pode não ser recomendável, por questões de segurança.

Ambientalistas defendem devolução paga de garrafas de plástico

Taras recuperáveis é a medida que os ambientalistas propõem para limitar os plásticos de utilização única. No entender da associação Quercus, tal medida – e as outras em cima da mesa, incluindo as dos partidos com assento parlamentar – poderia colocar Portugal "na linha da frente" neste combate, além de contribuir para alterar comportamentos.


“Somos dos países europeus com maior costa e mais expostos à poluição marinha, por isso, temos uma maior responsabilidade”, defende Lusa Carmen Lima.

“Se aquelas propostas forem aprovadas, começamos a dar resposta a questões" colocadas no documento da Comissão Europeia com a meta de, por exemplo, recolher 90% das garrafas de bebidas de plástico descartáveis até 2025”, sustenta à agência Lusa.

Susana Fonseca, da Associação Sistema Terrestre Sustentável Zero, "provavelmente o único caminho" para se atingir aquele objetivo será introduzir um sistema de tara também para as embalagens não retornáveis, recicláveis, como existe em alguns países, nomeadamente na Noruega.

"Face aos resultados atuais, em Portugal e em outros países, sem um sistema de depósito, não vamos chegar lá", realça.

A proposta é que a cada compra de uma garrafa, por exemplo de água, mesmo de uso único, descartável, é paga uma tara e só quando é devolvida a embalagem, a uma máquina ou a um funcionário, é recebida a tara.

"Isto vai modelar o comportamento, levando a que as pessoas não abandonem as embalagens ou as coloquem no ecoponto errado", defende Susana Fonseca.

Assinalando que "é difícil imaginar a sociedade sem plástico", a ambientalista da Quercus Carmen Lima salienta que esta característica acabou por se tornar um problema para o ambiente.

As duas ambientalistas concordam quanto ao conhecimento que os portugueses já têm do problema e também quanto à resistência à mudança de hábitos e ao desconhecimento acerca de alternativas mais amigas do ambiente em produtos como cotonetes, talheres, palhinhas ou paus de balões, focados nas políticas comunitárias.

A Quercus aponta que as medidas na restauração serão mais fáceis de aplicar, já que a associação do setor tem um projeto para sensibilizar os seus associados e existe "alguma preocupação e consciência do Ministério do Ambiente, assim como de várias associações" e da própria indústria, para a necessidade de reduzir o consumo de plástico.

A ambientalista da Zero espera que haja políticas públicas para que as embalagens reutilizáveis sejam mais baratas, com o consumidor a pagar somente o conteúdo.

Outra vertente da análise é: "Quem coloca os produtos no mercado deve ser responsável pelos custos inerentes ao seu correto tratamento em final de vida, isso poderia diferenciar as soluções mais sustentáveis das menos sustentáveis", descreve Susana Fonseca.

Comentando a questão de quem paga o custo deste sistema neste momento, a ambientalista da Zero responde: "Somos todos nós enquanto sociedade pois os resíduos vão parar aos sítios mais estranhos, com impactos para o ambiente e para a nossa saúde".

"É necessário proporcionar a mudança, porque, enquanto o consumidor tiver à sua disposição uma embalagem descartável, mais prática e muitas vezes mais barata do que uma reutilizável, for a um restaurante e não for beneficiado por levar as suas embalagens, é mais difícil que mais pessoas se mobilizem", resume Susana Fonseca.

A Zero não defende, porém, a substituição do plástico fóssil pelo biodegradável, por exemplo nos copos, pois "os recursos têm sempre de vir de algum lado, há é que acabar com a cultura do descartável e substituir o plástico por outros materiais".