Serra da Estrela. "Não tem grande sentido que seja a AGIF" a investigar
16-08-2022 - 21:05
 • Celso Paiva Sol

Duarte Caldeira, membro da Comissão Técnica Independente que investigou os incêndios de 2017, considera que o fogo que lavra na Serra da Estrela revela “a ausência de resultados naquilo que era essencial", em relação a Pedrógão Grande.

O presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, Duarte Caldeira, discorda que seja a Comissão Nacional para a Gestão de Fogos Rurais a investigar o grande incêndio na Serra da Estrela.

A investigação independente ao incêndio da Serra da Estrela, prometida a semana passada pelo primeiro-ministro, vai afinal ser realizada pela Comissão Nacional para a Gestão de Fogos Rurais, criada há cerca de um ano no âmbito da Agência de Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).

A missão ficará a cargo do grupo das lições aprendidas, onde têm assento representantes de todas as entidades envolvidas na prevenção e combate aos incêndios. Os esclarecimentos, prestados pelo presidente da AGIF, Tiago Oliveira, ao jornal Público, deixaram Duarte Caldeira “perplexo”.

Em declarações à Renascença, o presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, antigo presidente da Liga dos Bombeiros e membro da Comissão Técnica Independente da Assembleia da República que investigou os incêndios de 2017 diz não entender a opção.

Duarte Caldeira acha que este incêndio é uma oportunidade para se refletir, uma vez mais, sobre este problema estrutural do país e não concorda que essa avaliação seja entregue à entidade responsável pela reforma em curso.

“O que hoje é divulgado só pode causar perplexidade. Porque não tem grande sentido que seja a AGIF, um organismo na dependência do Conselho de Ministros… os participantes da Comissão Nacional para a Gestão de Fogos Rurais são quase todos representantes de organismos do Estado”, sublinha.

Para Duarte Caldeira, “era suposto que este incêndio fosse estudado numa perspetiva de recolher informações e áreas de estudo que pudessem ser vertidos para as políticas públicas”.

Nestas declarações à Renascença, o especialistas considera que “o que não deve acontecer é que este processo seja utilizado da mesma forma como foi as conclusões da comissão técnica independente que avaliou o incêndio de Pedrógão e os de outubro de 2017, em que, para além do que está lá escrito, foi utilizado como argumento dos decisores políticos para justificar tudo”.

“Isto não pode repetir-se. Será um logro se assim acontecer”, alerta.

Duarte Caldeira considera que o incêndio que lavra desde 6 de agosto na Serra da Estrela revela “a ausência de resultados naquilo que era essencial, que alterasse qualitativamente”, em relação aos grandes fogos de 2017.

“Estou a referir-me às alterações significativas no domínio da paisagem, do território, da interligação dos vários níveis do poder político: identifica-se neste incêndio da Serra da Estrela a ausência de um patamar intermédio entre administração central e local, que não se resolver com reuniões de última hora, entre ministros ou secretários de Estado com autarcas. Isso é uma forma de ignorar o problema”, sublinha.