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Numa edição especial do programa Fora da Caixa, o antigo comissário europeu António Vitorino analisa um desfecho que ultrapassou as próprias expectativas de um dos mais homens próximos do amigo que se prepara para ser secretário-geral das Nações Unidas.
Estas são as ideias de Vitorino, tal como as escutámos na Renascença, em debate com Pedro Santana Lopes, ao final da tarde.
O mérito derrotou a moscambilha
“[Esta vitória] é um factor de esperança e confiança no futuro. Por uma vez, foi possível conciliar uma complexa negociação internacional com uma escolha que reconhece o mérito. O mérito do candidato, mas também da diplomacia portuguesa que garantiu o sucesso desta candidatura. O facto de ter havido tentativas de subverter as regras, de haver candidatos de última hora que, como na feliz imagem do Presidente da República, fazem apenas os últimos 100 metros da maratona, criou um ambiente em torno da candidatura do engenheiro António Guterres que lhe foi claramente favorável.
A partir de certa altura tornou-se claro que quem respeitava as regras tinha uma vocação inclusiva. Aqueles que participaram nas votações anteriores não podiam ser desautorizados por uma moscambilha de última hora, negociada entre os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança.”
Um secretário-geral forte num mundo complexo
“Jogando pelas regras e graças ao mérito do protagonista da candidatura, foi possível limitar a margem de manobra dos 5 membros permanentes do Conselho de Segurança que perceberam que desta vez não tinham condições para fazer uma negociação privada e também eles que se submeter às regras do jogo. A circunstância de ele ter assumido claramente uma candidatura que não deve nada a ninguém mas que se mostra predisposta a ouvir o ponto de vista de todos e a ser aquilo que se pode considerar um mediador honesto, dá-lhe uma legitimidade e uma força que lhe permitirá intervir naquelas frentes mais complexas."
As quatro grandes prioridades de Guterres
“À cabeça, como é óbvio, está a situação na Síria, mas também a situação dos refugiados e o problema do desenvolvimento de África que está na origem das últimas recentes vagas migratórias. E reconstruir um certo clima de diálogo entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, especialmente a Rússia e os Estados Unidos, que permita ultrapassar as sequelas da crise ucraniana que é obviamente um dos factores de perturbação da paz no continente europeu."
Uma certa Europa que falhou e perdeu
“É um bom motivo para meter a mão na consciência. Mais uma vez a Europa não esteve presente. Houve divisões e inclusivamente há que dizer que importantes países europeus moveram as suas influencias para que o resultado não fosse este. Não vamos guardar ressentimentos, mas convém não esquecer que houve quem tem responsabilidades no contexto europeu que não jogou na união mas na divisão. E já agora, recordar que perdeu."
O discreto país que ajuda a resolver o mundo
“Isto reafirma algo que é o perfil histórico da maneira como Portugal é visto pelos outros países. Um país capaz de interagir com diversos grupos de estados regionais em diferentes níveis de desenvolvimento. Capaz de compreender os seus pontos de vista e de ter um protagonismo que sem ambições desmedidas, sem soberba, sem ter uma agenda escondida, pode ser um contribuinte positivo para a resolução das grandes questões internacionais. Não há ninguém melhor que Guterres para protagonizar esse caldo de cultura que acho que define Portugal e que é a maneira como somos vistos pelos outros países do mundo."