O antigo secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger perguntou um dia a quem deveria telefonar quando quisesse “falar com a Europa”. Do lado de cá do Atlântico, a dúvida nunca teve razão de ser: ainda que a Comissão Europeia esteja em Bruxelas e o Parlamento Europeu em Estrasburgo, o telefone para o qual todos têm e precisam de falar está em Berlim, na principal secretária da Chancelaria. É por isso que as grandes publicações políticas e diplomáticas internacionais não hesitam em classificar Angela Merkel como a mulher mais poderosa do mundo.
A atual Chanceler leva 12 anos de poder e pode chegar aos 16, igualando o recorde de Helmut Kohl, o seu patrono. Mas enquanto Kohl foi da geração de Mitterrand e Thatcher (para não ir mais atrás), e Schröeder do tempo de Chirac e de Blair, Merkel é do tempo da grande crise internacional, do declínio da presidência francesa e da despedida britânica da Europa. De Bismarck aos dias de hoje, a Alemanha sempre viveu o dilema de ser uma potência grande demais para a Europa e pequena demais para o mundo. A Europa não passa sem ela, goste ou não de quem lá manda, e é muitas vezes ela que fala, em nome da Europa, com os EUA, a China ou outras potências globais emergentes. Tudo visto, e em particular as lições dos anos mais recentes, a nenhum país europeu interessa uma Alemanha fraca; e por isso o destino próximo de Merkel e do governo germânico é um assunto de extrema importância.
Desde a fundação da RFA, em 1949, já se sucederam 18 legislaturas e 25 governos em Berlim – todos de coligação pluripartidária e com apoio maioritário no parlamento. Para os que só sabem governar em “partido único”, ou que se esfrangalham à primeira curva de uma coligação, a Alemanha é um caso de estudo. Estará esta exemplaridade a acabar? Depois das eleições de Setembro, que deram a vitória a Merkel, a fórmula governamental tentada (a “coligação Jamaica”, unindo a CDU/CSU, os Liberais e os Verdes) fracassou. O que se segue? Será reeditável, como agora parece ser o caminho, a “grande coligação” da CDU/CSU/SPD? À primeira vista, é um cenário preferível a outras alternativas, como um governo em minoria, que seria, para Merkel, declarar a derrota e começar a despedir-se, ou uma nova ida às urnas, daqui a meses, que poderia deixar tudo na mesma, ou pior, se os extremistas da AfD (Alternativa para a Alemanha) capitalizassem a impaciência e ganhassem mais umas cadeiras no parlamento.
A aliança Merkel/Schulz, a realizar-se, será, contudo, um expediente que pouco disfarça a crise política em Berlim (um efeito do cansaço europeu?). E a crise germânica é um mau cenário para a Europa. Em Paris e Bruxelas, Macron e Juncker veem as suas agendas para a reforma da Europa adiadas; em Londres, o calendário e a fórmula do Brexit poderão entrar em derrapagem. Uma Alemanha fraca é uma notícia tão má quanto uma Alemanha (demasiado) forte. Porque só Berlim, na Europa, poderá fazer-se ouvir por Trump, vigiar a Rússia, dialogar globalmente com a China, e lidar com os iliberalismos da Hungria ou da Polónia, as correntes migratórias que espreitam a partir do Norte de África ou do Próximo Oriente, e até com as derivas separatistas que sopram de Espanha. Uma Europa fraca, céptica, aborrecida, babélica, sem uma voz de comando, é o paraíso de muitos e a porta franca para os que querem promover o extremismo e o terrorismo no seu interior. Angela Merkel não é a perfeição, e não acho que devamos deixar tudo nas suas mãos. Mas na incerteza do presente, a Chanceler constitui um garante europeu de firmeza liberal, esperança económica e razoabilidade política. Por ora, seria muito bom que pudesse continuar a sê-lo.