O Banco de Portugal (BdP) disse esta quinta-feira que não podia retirar a idoneidade ao então presidente do BES, Ricardo Salgado, com base em infracções tributárias, porque a lei impedia que fossem consideradas nos procedimentos do banco.
O jornal "Público" avança que a administração do BdP recusou, numa reunião realizada nos primeiros dias de Dezembro de 2013, retirar a idoneidade ao então presidente do Banco Espírito Santo (BES), mesmo contra a opinião dos responsáveis técnicos pela supervisão.
De acordo com o diário, a equipa de administração liderada por Carlos Costa argumentou que não podia usar informação sobre o repatriamento de capitais e as correcções fiscais do banqueiro, porque esta tinha sido obtida de forma privilegiada, enquanto os técnicos contra-argumentavam que os dados de que dispunham lhes foram facultados pelo próprio Ricardo Salgado.
"O entendimento do Banco de Portugal, como não podia deixar de ser em face das leis que instituíram os mecanismos de regularização tributária, foi o de que as eventuais infracções tributárias subjacentes às declarações tributárias não podiam ser consideradas nos processos do banco", justifica hoje o supervisor em comunicado, depois da notícia do jornal.
O "Público" lembra que, no final de 2012 e início de 2013, foi noticiado que Ricardo Salgado, ao abrigo de regimes extraordinários de regularização tributária de 2005, 2010 e 2011 tinha corrigido declarações de rendimentos.
O jornal "i" dava conta, na altura, de que Salgado tinha efectuado três rectificações no valor de 8,5 milhões - o que fez com que o banqueiro pagasse mais 4,3 milhões de euros ao fisco. Na altura, foi questionada a idoneidade de Ricardo Salgado.
Ora, a instituição liderada por Carlos Costa refere que "em todas as leis" que determinam os regimes excepcionais de regularização tributária (RERT) para patrimónios situados fora do território nacional ficou "expressamente determinada a extinção de qualquer responsabilidade por eventuais infracções tributárias relacionadas com os factos e rendimentos declarados".
O banco central cita mesmo um artigo desses regimes, onde se lê que: "Nos limites do presente regime, a declaração de regularização tributária não pode ser, por qualquer modo, utilizada como indício ou elemento relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário, criminal ou contra-ordenacional, devendo os bancos intervenientes manter sigilo sobre a informação prestada".
O BdP salienta ainda que "nos regimes de regularização tributária ficou estabelecido que as declarações seriam depositadas e arquivadas no Banco de Portugal, com o inerente dever de sigilo, e não entregues às autoridades tributárias".
Nesse sentido, afirma, "os serviços e os órgãos do Banco de Portugal, em obediência às disposições da lei, nunca tiveram acesso às declarações de regularização nem as utilizaram para o efeito do exercício das suas funções, incluindo a função de supervisão e a de acção sancionatória. Nalguns casos, as declarações de regularização foram facultadas ao Ministério Público, mas apenas após a competente ordem judicial".
O supervisor afirma também que "a responsabilidade por essas infracções foi extinta pela lei e a utilização dos factos declarados para efeitos de outros processos, que não os processos tributários, foi expressamente proibida pela mesma lei".
"Os serviços de supervisão prudencial não divergiram deste entendimento. Pelo contrário, expressaram-no em parecer técnico no início de 2013", acrescenta.
Por fim, o BdP afirma que o caso noticiado pelo "Público", que faz referência a um desentendimento de Dezembro de 2013, foi "apreciado a diversos níveis e em várias ocasiões".
"Essa análise decorreu sempre com a objectividade, a ponderação e a serenidade que são indispensáveis ao exercício das responsabilidades públicas e que marcam o trabalho do Banco de Portugal no exercício das suas múltiplas funções", afirma o banco.