A greve dos motoristas de transportes de matérias perigosas ainda não começou, mas este tem sido o tema dominante de um agosto sem incêndios na generalidade dos alinhamentos informativos do país.
Invariavelmente, tivemos, ao longo destes primeiros dez dias (em boa verdade, a coisa já se arrasta desde julho) uma torrente de informações a conta-gotas – a declaração deste sindicato, a declaração daquele sindicato, a reunião dos ministros, a declaração deste ministro, o (cada vez mais inevitável) pronunciamento do dia por parte do presidente da República e, no caso dos canais informativos de TV, a escolha de um qualquer posto de gasolina para nos dar conta das filas e para fazer perguntas aos cidadãos sobre a forma como estavam a abastecer o seu veículo (‘Não vai atestar? Mas então não está preocupada?’).
Um estudo recente, a que o Público fez referência no caderno Ípsilon do dia 6, sobre a relação entre a chamada ‘TV lixo’ e o crescimento do populismo em Itália, conclui que o fator determinante terá sido não a difusão clara de mensagens políticas de um certo tipo, mas antes o quase desaparecimento da informação, a troco de horas e horas de entretenimento.
“Os mais jovens espectadores da Mediaset (canal na origem do império mediático de Silvio Berlusconi), que viram o canal nos seus anos de formação, tornaram-se menos sofisticados cognitivamente e com menos espírito cívico do que os seus pares”, revela o trabalho publicado na revista científica, American Economic Review. Ou seja, a menor exposição a conteúdos informativos ‘complexos’ – com detalhes, com explicações, com enquadramentos – terá promovido em Itália, ao longo destes anos, o “aumento duradouro do apoio a candidatos populistas que apregoavam mensagens simples e respostas fáceis.”
No caso da nossa ‘crise dos combustíveis’ parte substancial do trabalho feito por empresas jornalísticas enquadra-se numa lógica de entretenimento. Foi, aliás, quase só isso que nos deram os média com maior presença diária nas nossas vidas – uma narrativa por episódios com micro-histórias diárias (cada uma delas com o seu micro-drama e, se possível, com um micro-climax) interligadas a uma história central.
É uma estratégia que nos é familiar – usa-se nas telenovelas e nas séries – com efeitos provados na atração de audiências, mas que está muito longe de ser a ideal para trabalho jornalístico que nos ajude a entender a realidade e a melhor viver com ela.
Na ausência dos incêndios, as ‘máquinas de produção de eventos’ viraram-se para as bombas de gasolina e nem mesmo a estação de Serviço Público parece ter conseguido escapar ao poder de atracão das ‘labaredas’.
É óbvio que o Jornalismo precisa de falar sobre o que acontece e sobre o que nos preocupa, mas é igualmente óbvio que o Jornalismo que temos (sobretudo o televisivo nos canais informativos de 24h) exorbita essa missão em nome de lógicas que estão muito ao lado do interesse público. A greve é um assunto importante, sem dúvida, mas diretos sem fim junto a bombas de gasolina não acrescentam uma grama sequer de discernimento; já falar-nos dos milhões a mais que as gasolineiras conseguiram ganhar neste período, como faz este sábado o Jornal de Notícias, é outra coisa...mas isso, pelos vistos, ‘dá menos’ do que imagens de uma escaramuça entre automobilistas em fila para abastecer.