O caso que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates, acusado de 31 crimes, pode vir a ter desfecho semelhante ao de Isaltino Morais. Quem o admite é Cândida Almeida, antiga conselheira do Supremo Tribunal e ex-diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Em declarações à Renascença, a magistrada lembra a dificuldade de provar os crimes de corrupção e destaca a existência de entendimentos diferentes entre as várias instâncias judiciais, como aconteceu no processo do atual presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, que foi condenado por corrupção em primeira instância, mas que depois a Relação considerou que haver provas suficientes.
“Portanto, a primeira instância entendeu que aquelas provas circunstanciais levavam a que tinha sido cometido o crime de corrupção passiva – e ativa, mas aqui interessa o funcionário público –; a Relação assim não entendeu e, portanto, anulou essa parte do julgamento. Foi condenado por fraude e evasão fiscal, branqueamento de capitais", mas entretanto os factos relativos ao crime de corrupção prescreveram.
Sobre os três crimes de corrupção atribuídos a José Sócrates, na Operação Marquês, Cândida Almeida explica que tem de ficar provado que se tratou efetivamente de um suborno – ou seja, que o alegado corrompido recebeu dinheiro ou outro bem para praticar um determinado ato contra o exercício da sua função.
A magistrada lembra que o crime de corrupção “é um crime muito reservado, que normalmente acontece entre o corruptor e o corrompido”, pelo que “é difícil haver a prova direta”.
“Há [prova] indireta se por acaso se conseguir provar as circunstâncias em que ocorreu e que permitam chegar à conclusão, pelo menos nesta fase ainda indiciária, que aquele dinheiro proveio de um ato que ele praticou ou que ia praticar e não praticou”, explica.
Depois de tudo o que foi público sobre o estilo de vida de José Sócrates, pouco compatível com o ordenado de um primeiro-ministro, a ex-diretora do DCIAP repetiria a decisão de não pedir que os procuradores titulares do processo Freeport interrogassem o ex-primeiro-ministro, porque os seus colegas lhe garantiram que não havia qualquer indício de corrupção contra José Sócrates.
“Era obrigatório pedir autorização ao Conselho de Estado para que José Sócrates fosse ouvido como testemunha, não era como arguido”, recorda. “E, portanto, perguntei aos colegas se, das respostas de José Sócrates, primeiro-ministro, resultaria uma acusação, ou seja, indícios para o acusar. E os magistrados disseram que não. Era só para ele poder dizer o que se tinha passado, mas que não havia qualquer indício de que pudesse ter cometido o crime de corrupção”, conta ainda à Renascença.
A investigação no âmbito da Operação Marquês começou há quase oito anos e Cândida Almeida entende que dificilmente a Justiça pode ser mais rápida. Apontando a realidade norte-americana, onde a Justiça anda mais depressa, diz que lá a esmagadora maioria dos processos ("90%") acabam em acordo: “tu confessas isto e tens esta pena. Se não confessares, então vais a julgamento. Mas quando se vai a julgamento, esses demoram também”, realça.
É já amanhã, sexta-feira, que José Sócrates ficará a saber se vai a julgamento no âmbito da Operação Marquês, um megaprocesso com milhares de páginas e documentos que se arrasta desde novembro de 2014.