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Enquanto andam na empa da vinha, que é como dizer a enrolar as varas e atar, para segurar as videiras, os protestos dos agricultores parecem passar distantes da rotina que começa cedo.
Luís Abrantes, 55 anos, homem do campo desde que terminou o 6º ano de escolaridade, desconhece a manifestação dos agricultores. “Não sei de nada disso, do protesto. Não sou patrão, os patrões é que se devem queixar. Só trabalho aqui e para mim próprio. Às cinco da manhã trato de uma bicharada que tenho, cabras, galinhas... Depois, venho para aqui, para as vinhas. Quando termino, ao final do dia, é para descansar, mas pouco, para estar sempre apto”, sorri Luís Abrantes, gracejando: "Gostava de não fazer nada e de festas."
O descanso é pouco, na inversa quantidade dos problemas e preocupações que levaram o agricultor João Paulo Oliveira, 58 anos, de Cativelos, concelho de Gouveia, a deixar de querer ser patrão, há dois anos.
João Paulo é agricultor desde que se lembra, quando deixou a escola, após o 11º ano de escolaridade. “Não é fácil fazer render a agricultura”, começa por dizer, avançando um exemplo: “Na maçã, as grandes distribuidoras ficam com o lucro todo e sobra um bocadito para nós, que mal dá para cobrir as despesas. Sabe quanto pagaram a maçã? À volta de 20 cêntimos, o quilo da maçã, vemos fruta tão cara, quem é que fica com o dinheiro?”
Há dois anos, João Paulo Oliveira decidiu vender a empresa de que era proprietário. “Vendi a quinta [a empresa InCatiVinhos] e e agora sou empregado. Deixei de ser patrão para ser empregado, corre-se menos riscos”, conta.
O agricultor de Cativelos não deixa de assumir que carrega alguma tristeza, denunciada pelo o olhar. “Agora, faço o que me mandam. Apareceu uma oportunidade de negócio e vendi, porque a nível de segurança social, IRS, já estava a pagar um monte de dinheiro. É que estas pequenas empresas familiares têm as mesmas regras que as outras. São equiparadas a uma grande empresa. Estava a trabalhar para o Estado, o Estado levava-me tudo”, queixa-se, argumentando que "aqui, o protesto é abandonar a atividade”.
Seguros elevados, burocracias, aumento dos preços ameaçam o setor
Estamos na quinta da Barroca Alta, onde João Paulo Oliveira produz uvas - em 10 hectares. Não muito distantes, estão os pomares, que se estendem por aproximadamente quatro hectares.
João Paulo Oliveira já não dirige a empresa. Agora, é o encarregado destas propriedades agrícolas, mas continua a ver um campo infinito de dificuldades. “Falta muita coisa, os apoios vêm tarde, há muita burocracia... Os pesticidas e herbicidas, o gasóleo, a manutenção nas oficinas, tudo subiu. É uma profissão muito desvalorizada, não dão valor ao agricultor, as pessoas não fazem ideia do que é. Os produtos aparecem na prateleira, é o que interessa”, desabafa.
"Uma treta os seguros. Uma pessoa faz um seguro para prevenir uma geada ou um granizo, só que no pomar, se não tiver um prejuízo de 40%, não cobrem nada. E são caríssimos os seguros. No pomar, para cobrir uma produção de 30 ou 40 mil euros, pagava 10 mil euros de seguro”, acusa.
Sobre outras burocracias, João Paulo Oliveira desvenda que se quiser fazer um poço "é um rol de atalhos".
“Tenho problemas de água, é preciso ir a Coimbra. Mil e um papéis... E, enquanto resolvem, secou a cultura por falta de água. Temos aqui o rio, deixamos ir a água para o mar. A Barragem de Girabolhos não avançou. Há dias, ouvir dizer que são capazes de a levantar numa quota mais baixa para ter água para Viseu, Nelas, Mangualde. O pessoal vendeu as terras, recebeu dinheiro e continua a tê-las e a cultivá-las”, observa o produtor, realçando que, apesar de a quantidade de água poder criar muitos nevoeiros, com implicação nas infeções da vinha, nota que "o Douro também tem barragens e aguenta-se”.
"Uma maneira alegre de empobrecer”
João Paulo nem fazia ideia da manifestação dos agricultores. “Tanta informação e não vi nada nas redes sociais. Se querem bloquear, não é assim. Era preciso uma manifestação bem feita. Não era tudo para Vilar Formoso, a mais de 100 quilómetros. Assim não vamos a lado nenhum."
"Os nossos sindicatos, que são fracos, deviam descentralizar e fazer um bloqueio em todo o lado”, defende o agricultor da Serra da Estrela, observando o decair da região. “Cativelos teve uma forte indústria de calçado, quase todas as casas tinham uma oficina, os chinelos de pano que iam para toda a parte... Desapareceu tudo. Estão aí um ou dois operadores particulares de peixe, mas a grande central de distribuição de peixe que tínhamos, morreu. Também tinha muitos aviários e quase desapareceu tudo”, lamenta,
Oliveira deixa um alerta: “Daqui a 10 anos, não há nada aqui, da maneira que isto está a andar. Aminha aldeia, Cativelos, não tem quase ninguém. Daqui a 10, 15 anos, das 500 pessoas, nem metade cá estará, os jovens desaparecem, a aldeia está a ficar deserta, não há condições para trabalhar nem para ganhar nada aqui. Vão-se embora à procura de outros ventos, é preciso muita resiliência para se andar nestes descampados."
Para o agricultor, o ofício de uma vida “é uma profissão rica de misérias” e a quem “vive mesmo disto”, sublinha, “não compensa”, pois, “é uma maneira alegre de empobrecer”, afirma
João Paulo Oliveira juntamente com o colega Luís Abrantes andam ao sol ou debaixo de molhas, tudo ao ar livre, um trabalho duro e pouco rentável. Na maioria das quintas, para os que são efetivos, o rendimento não vai muito além do salário mínimo nacional.