O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) anulou a apreensão de emails aos ex-administradores da EDP António Mexia e João Manso Neto no processo CMEC/EDP, fazendo cair uma das principais provas na investigação deste caso.
Segundo o acórdão de fixação de jurisprudência desta quarta-feira, avançado hoje pela Visão e a que a Lusa teve também acesso, os juízes conselheiros validaram o recurso da defesa dos antigos gestores da empresa elétrica, pelo que a apreensão de emails na fase de inquérito, independentemente de terem ou não sido lidos, tem de ser sempre autorizada por um juiz de instrução criminal e não apenas pelo Ministério Público (MP), como ocorreu neste caso.
Em causa estavam duas decisões opostas do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) sobre a mesma questão: em 2021, os desembargadores entenderam que cabia ao MP ordenar o material apreendido e decidir o que era relevante, uma vez que os emails abertos seriam meros documentos digitais; já em 2018, a Relação tinha definido que os emails, independentemente de terem sido abertos ou estarem ainda por abrir, só podiam ser apreendidos por despacho prévio do juiz de instrução, que devia ser o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo.
A contradição levou a defesa de Mexia e Manso Neto a pedir ao Supremo para clarificar e uniformizar a jurisprudência, tendo havido unanimidade no plenário em torno de uma decisão que, segundo uma fonte judicial, pode ter igualmente implicações em vários processos.
"Na fase de inquérito, compete ao juiz de instrução ordenar ou autorizar a apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de outros registos de comunicações de natureza semelhante, independentemente de se encontrarem abertas (lidas) ou fechadas (não lidas), que se afigurem ser de grande interesse para descoberta da verdade ou para a prova", determinou agora o acórdão do STJ.
Numa reação enviada à Lusa, a defesa salientou a "proclamação unânime de todos os 15 juízes conselheiros que integram o plenário das secções criminais do Supremo", assinalando que vem contrariar a tese defendida pela Procuradoria-Geral da República: "Uma decisão que, também, se une à jurisprudência recente e estabilizada do Tribunal Constitucional, que pendia, precisamente, para a mesma posição. Uma decisão de aplaudir".
"À defesa de António Mexia e João Manso Neto cabe essencialmente enaltecer o facto de esta decisão do STJ representar a afirmação, do mais alto Tribunal do país, da salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos e do reconhecimento de que essa tarefa é e está exclusivamente adstrita, na fase de inquérito, ao juiz de instrução criminal", adiantou a defesa, a cargo dos advogados João Medeiros e Rui Costa Pereira.
O Caso EDP/CMEC acabou por levar em dezembro de 2022 à acusação do ex-ministro Manuel Pinho, da mulher Alexandra Pinho, e do ex-banqueiro Ricardo Salgado - cujo julgamento arrancou este mês - por factos não relacionados com a empresa e os Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), que estiveram na origem do inquérito aberto em 2012.
Já António Mexia e João Manso Neto são arguidos desde 2017, por suspeitas dos crimes de corrupção e participação económica em negócio, e continuam a ser investigados pelo Ministério Público, sem que tenha sido ainda proferida uma acusação. Os dois gestores foram suspensos de funções na EDP em julho de 2020, tendo entretanto deixado a empresa.
Acórdão do Supremo vai afetar vários processos
Ouvido pela Renascença, Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, diz que este acórdão do Supremo vai afetar vários processos.
Em relação ao caso concreto da EDP pode ter sérias implicações, admite Adão Carvalho.
“Se essa decisão do Supremo foi tomada em sede de recurso, ou seja, de um recurso existente nesse processo, sobre essa matéria, evidentemente que tem porque o Supremo Tribunal de Justiça é uma segunda instância de recurso. Se não foi nesse processo, esta decisão só uniformiza jurisprudência para o futuro, não para o passado”, explica o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Questionado se no caso concreto da EDP a prova será anulada, Adão Carvalho considera que sim.
“Se a prova foi obtida de forma diferente daquela que o Supremo entendeu agora que deveria ser, o que vai acontecer é que vai determinar que no fundo é essa prova tenha sido obtida de forma não conforme a esta interpretação e, portanto, que seja inválida, eventualmente não possa ser usada.”
Sobre o impacto noutros processos, o magistrado considera que o Ministério Público (MP) terá, sempre, de pedir autorização a um juiz para ter acesso a mensagens de arguidos, para “evitar que no futuro essa decisão possa ser considerada inválida porque agora há uma jurisprudência uniformizada nessa matéria”.
Adão Carvalho admite que, a partir de agora, “qualquer arguido poderá invocar este acórdão para sustentar que aquela forma de obtenção de prova foi inválida”.
[notícia atualizada às 21h52]