Na análise ao adiamento dos despejos em Loures, até que haja uma alternativa para cerca de uma centena de moradores de um bairro clandestino em Santa Iria da Azóia, o comentador da Renascença Henrique Raposo começa por dizer que as pessoas vão ficar ali.
“Eu admiro imenso aquelas pessoas, porque elas estão a resolver o problema com o seu próprio esforço. Estão a levantar as suas próprias casas. Porque, obviamente não têm dinheiro para alugar ou comprar uma casa. A habitação social da Câmara está entupida e a lista de espera é enorme”, observa.
Para o comentador, este “problema não é novo” e lembra que há 70 anos, o bairro onde nasceu e cresceu até aos 10 anos, é mesmo ali ao lado, em Santa Iria da Azóia, Loures “foi feito assim”.
“O truque era levantar a casa no próprio dia, para quando o fiscal aparecesse, a mãe colocava lá dentro o bebé e dizia: ‘onde é que eu vou morar?’. Era assim que as coisas eram feitas”, lembra.
“E é igual. Porque o impulso humano é igual. Há 70 anos eram alentejanos, agora são de São Tomé ou de Nepal. É igual. As pessoas vêm para procurar uma melhor vida. Dizem que há emprego e há. Há emprego, mas não há casas”, sublinha.
No seu espaço de comentário n’As Três da Manhã, Raposo alerta que, “se não resolvermos as coisas que estão a montante, que é a burocracia, que chega a ser cómica, para conseguir construir uma casa ou renovar uma casa, este problema vai-se agravar”.
Lembrando que há um novo aeroporto e uma nova ponte para construir, Raposo insiste que “estes bairros clandestinos vão crescer”.
“Porque as pessoas vão atrás... É a mesma história humana, com pessoas diferentes. As pessoas vêm atrás de melhores empregos, na esperança que os filhos tenham acesso à cidade e àquilo que a cidade pode dar, e vão viver nestes bairros clandestinos”, diz.
E mais uma vez, Raposo dá o exemplo do bairro onde viveu e que chegou a ser o maior bairro clandestino da Europa, e em que a maior parte das casas ficaram legalizadas 70 anos depois.
Por isso, o comentador entende que “vamos ver exatamente o mesmo processo histórico a acontecer debaixo dos nossos olhos, só que, hoje em dia, é mais difícil aguentar mediaticamente, porque há televisões, há internet. No meu tempo ninguém queria saber de nós e ninguém aparecia para nos filmar”.