Mais de um milhão de pessoas entraram nas fronteiras europeias desde o início do ano. A actual crise de refugiados sem precedentes forçou a União Europeia (UE) a adoptar medidas concretas e urgentes, entre as quais se inclui a relocalização noutros Estados-membros de 160 mil pessoas que estão actualmente na Grécia e em Itália.
Para que o mecanismo funcione, cada país deveria indicar quantos requerentes de asilo pode receber e enviar peritos nacionais para apoiar as operações nos centros de registo – os chamados "hotspots". Mas o processo corre com lentidão e dos 11 "hotspots" inicialmente previstos, apenas dois estão a funcionar – um em Lampedusa e outro na ilha grega de Lesbos.
Faltam sobretudo condições materiais e especialistas nos locais de triagem. Portugal tem contribuído com peritos, nomeadamente do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mas não tem nenhum elemento no Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo e ainda não contribuiu com qualquer apoio para o Mecanismo de Protecção Civil, activado pela Sérvia, Eslovénia, Croácia e Grécia.
Dos 160 mil recolocados previstos, até ao momento apenas 194 foram encaminhados para outros Estados-membros. Milhares de migrantes continuam a chegar numa base diária, sobretudo aos portos gregos.
O sistema de quotas de distribuição por estados-membros determinou que Portugal deve receber cerca de 4.500 pessoas em dois anos. O país tem 100 lugares disponíveis para ocupação imediata. Os primeiros 24 chegam esta quinta-feira.
Os atrasos na implementação do sistema de relocalização dominaram um seminário sobre políticas de migração e asilo, que decorreu na passada semana em Bruxelas. Uma sala do Parlamento Europeu encheu-se com cerca de 200 jornalistas de toda a União para ouvir eurodeputados de vários quadrantes falar das políticas de migração e asilo.
Presente no encontro esteve a responsável europeia pela política e apoio legal da representação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Sophie Magennis admite que os centros de registo "estão a demorar algum tempo a começar a funcionar em pleno, porque são um mecanismo novo que está a ser operado pelos estados-membros, com o apoio da Frontex e do Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo. Há muitos novos actores a agir de uma maneira nova e isso está a demorar algum tempo a organizar".
"Não é verdade que os refugiados não querem vir para Portugal"
De acordo com os regulamentos, um migrante que chega a uma fronteira europeia deveria permanecer num centro de registo no máximo 72 horas. Quem não aceitar ser relocalizado noutro Estado-membro tem duas hipóteses: ficar no país de entrada ou ser colocado num voo de regresso. Um jornalista da Estónia questionou, por exemplo, quem poderia querer ir para o seu país, sabendo que teria piores condições de acolhimento que noutros países europeus como a Alemanhã ou a Suécia.
A sueca Malin Björk, da Esquerda Unitária Europeia, recorreu à ironia para sublinhar que não é pelo "famoso bom tempo da Suécia" que os migrantes escolhem o seu país e que há um trabalho de informação sobre os países dispostos a acolher que tem de ser feito junto dos migrantes.
"Eu estive na rota dos Balcãs e perguntei a muita gente de onde vinha e para onde ia. Todos responderam: 'Suécia, Alemanha, talvez Bélgica, talvez Holanda...'. E é verdade, ninguém disse 'Estónia'. Por isso, têm algum trabalho para fazer para chegar a estas pessoas", sustentou Björk.
À margem do seminário, num encontro com jornalistas portugueses, a eurodeputada Ana Gomes disse que o mesmo se aplica a Portugal. Começando por sublinhar que "não é verdade que os refugiados não querem vir para Portugal", a socialista admitiu que é "necessária mais informação sobre as condições de acolhimento" que os esperam, já que a maioria dos requerentes de asilo não sabe com o que pode contar se aceitar vir para cá.
"Hotspots" são apenas um penso rápido
O tema entrou em força na agenda mediática, este ano, mas as imagens de multidões a entrar na Grécia e em Itália, a percorrer os Balcãs em direcção ao Norte e ao Centro da Europa, criaram também terreno fértil para discursos populistas que rotulam o fenómeno como uma invasão. Cresceram muros nas fronteiras da Hungria com a Sérvia e com a Croácia, da Macedónia com a Grécia, da Áustria com a Eslovénia.
"Temos de comunicar com as populações que podem ter receios sobre quem são os refugiados. Temos de ser capazes de assegurar aos Estados-membros e aos cidadãos que os procedimentos adequados estão a ser respeitados, para dar acesso a protecção e para garantir que as pessoas estão seguras. Os dois aspectos andam de mãos dadas. Penso que é importante recordar que os que fogem como refugiados para a Europa fogem das mesmas pessoas de quem todos nós temos medo", defende Sophie Magennis.
A representante para a Europa do ACNUR sublinha que "os 'hotspots' são apenas um ponto num plano mais abrangente" – um penso rápido para um problema complexo e que tem de ser atacado em várias frentes.
"No limite, o que queremos é que acabem os conflitos. No limite, precisamos que se resolva a situação na Síria, que força milhões de pessoas a deixar o país. Entretanto, precisamos do apoio de quem está na região, no Líbano, na Jordânia. A maioria dos sírios que estão nesses locais vive abaixo da linha de pobreza e isso precisa de ser resolvido", afirma.
Entre o muito que há para fazer, Magennis destaca ainda a necessidade de "aumentar o número de reinstalações, o que significa retirar pessoas desses países para locais mais seguros".
Migração é a segunda maior preocupação dos europeus
Na passada semana, a Comissão Europeia instaurou processos de infracção contra a Grécia, Itália e Croácia por não estarem a aplicar correctamente a recolha de impressões digitais. Depois da chegada de cada migrante, estes dados devem ser partilhados com o sistema central Eurodac num prazo de 72 horas. Mas o governo grego já veio dizer que apenas recebeu 39 dos 100 aparelhos de registo de digitalização de impressões digitais requisitados.
Recorrentemente se levantam suspeitas de que, perante a incapacidade de lidar com o enorme fluxo de gente, os países de entrada e de maior circulação de migrantes fecham os olhos às normas de registo. Uma situação inadmissível, para o eurodeputado do CDS Nuno Melo. "Há instrumentos jurídicos não são para português ou para europeu ver", pelo que nenhum Estado-membro pode ter "uma visão arbitrária de acordo com o que cada país pretende", afirmou Nuno Melo no seminário sobre políticas de migração e asilo.
Se traçarmos uma linha recta, 2.140 quilómetros separam os corredores de Bruxelas da ilha de Lesbos, no mar Egeu, onde, todos os dias, chegam barcos carregados de migrantes. É bem maior a distância entre as medidas anunciadas em cimeiras e as aplicações concretas no terreno. A Comissão Europeia quer ver a Agenda Europeia da Migração aplicada com rapidez e eficácia, mas estes são termos escorregadios quando dependem do empenho dos Estados-membros.
Incumprimentos e atrasos que parecem circular em contra-mão em relação à opinião pública. De acordo com o eurobarómetro de Outubro, a imigração é agora a segunda maior preocupação dos europeus, a seguir ao desemprego: 79% defendem políticas de migração comum a todos os estados-membros e 78% consideram que deve haver uma melhor distribuição de requerentes de asilo pelos 28.