"Deus é sempre novo" é o título do mais recente livro com pensamentos do Papa Bento XVI, com prefácio do Papa Francisco. A edição da Libreria Editrice Vaticana é agora publicada em português pela editora Lucerna.
A Renascença entrevistou João Luís César das Neves, professor catedrático da Universidade Católica de Lisboa, que vai apresentar a obra esta terça-feira, pelas 21h15, no auditório da paróquia de Santa Joana Princesa, em Lisboa.
O lançamento insere-se numa conferência sobre o pontificado do Papa alemão, que vai contar com transmissão em direto no canal do YouTube da paróquia. A data coincide com o fim do pontificado de Bento XVI, há dez anos, a 28 de fevereiro de 2013.
Como é que este livro o provocou?
São 90 pequenos textos sobre os temas centrais do pontificado que nos levam a pensar, a meditar. O título está muito bem escolhido, porque, de facto, o tema do Papa Bento sempre foi um: Deus. Está sempre a falar de Deus. De Deus, nesta cultura que não liga a Deus.
Portanto, o tema central é o mundo que deixou Deus e Deus que é a única solução para o mundo. Este é o primeiro passo; o segundo é a extraordinária criatividade, originalidade deste Papa que, de facto, é um homem que escreveu enormes quantidades de coisas ao longo da vida e nunca se repetiu, trazia sempre novas ideias profundas.
Portanto, o título "Deus é sempre novo" é uma ideia genial, porque captou este aspeto.
E também se aplica ao próprio Bento XVI, que é sempre novo, independentemente da idade!
Exatamente, é sempre novo, tem uma enorme criatividade. Para quem acompanha o pontificado de Bento XVI, o interesse principal deste livro é que não vai aos textos de referência. Só tem quatro citações das suas três encíclicas e uma citação de um discurso famoso.
Portanto, só cinco das 90 citações é que são daquelas referências habituais. A maior parte são textos esparsos, que habitualmente não vamos ler, porque nos centramos no essencial. Assim, um terço é de homilias, o outro terço é de discursos em situações muito variadas e o terceiro terço inclui mensagens, angelus, coisas dessas.
O livro situa-se apenas nos anos do seu pontificado e está muito bem ordenado ao longo do tempo.
É uma ajuda para conhecer Bento XVI?
Eu acho que Bento XVI é uma figura que vai começar a ser descoberta agora. Embora seja o mais famoso dos Papas, porque antes de ser eleito já era uma pessoa globalmente famosa, é um homem que esteve no centro da Igreja durante um período em que mais ninguém esteve, ou seja, desde que chegou a Roma até agora, até morrer.
E, por isso, temos uma riqueza extraordinária que se vai começar agora a fomentar como uma figura grande da história da Igreja.
O facto de o prefácio ser do Papa Francisco também é interessante.
O prefácio do Papa Francisco é a melhor apresentação do livro. Se me deixassem, a minha apresentação deste livro seria poder ler o prefácio do princípio ao fim, porque está muito bem feito (risos). O texto de Francisco resume muito bem a essência disto.
Os 90 pensamentos estão arrumados por nove capítulos, sobre temas habituais, ou seja, Deus e Jesus, a fé, o amor, a oração, os jovens e a família, a esperança, a santidade, a verdade, a liberdade e a alegria.
Um dos fios condutores do pontificado de Bento XVI é o motu que ele escolheu: colaborador da Verdade. Ainda antes de ser eleito Papa, já se preocupava com o risco do homem não se considerar capaz da verdade e, portanto, reduzir tudo na sua vida, no seu pensamento. Ora a posição de Bento XVI é contrária a isto e é agora valorizada pelo Papa Francisco que, no prefácio, sublinha a coragem da verdade em Ratzinger.
Exatamente. Creio que só se percebe bem o pontificado de Bento XVI se recuarmos ao princípio quando, recém-doutorado, publica um artigo que o marcou para a vida sobre o diagnóstico, os novos pagãos e a Igreja.
Ele diz algo violentíssimo - na altura foi acusado de ser pessimista mas, à medida que o tempo passou, viu-se que era bastante realista -, que é: "dentro da Igreja, há uma enorme quantidade de novos pagãos". Ou seja, pessoas que se dizem que são da Igreja e que são pagãs.
Este é o ponto dele: Bento XVI está a falar para pagãos, mesmo dentro da Igreja. Pagãos que perderam o sentido da Verdade, perderam o sentido de Deus e o Papa demonstra como isto leva à dissolução da humanidade e como a única forma de salvar a humanidade de si própria é exatamente a verdade. Por isso, ele é colaborador da Verdade.
Na sua opinião, porque é que Bento XVI foi um Papa tão incómodo, sendo tão lúcido nos diagnósticos e tão direto ao assunto, traçando um caminho com razões da fé e, ao mesmo tempo, uma linguagem contemporânea?
Ele foi atacado como o Papa Francisco está a ser atacado e como o Papa João Paulo II foi atacado. Olhamos para trás e percebemos que, no fundo, foram todos atacados. E a primeira razão porque são atacados é por serem Papas.
Este, em concreto, como já era conhecido, achavam-no muito duro, demasiado intelectual, intratável, só depois é que veio a surpresa. E as pessoas austeras para com ele cederam àquele sorriso tímido, simpático, de uma pessoa sempre aberta à alternativa, ao diálogo com pessoas, muitas delas fora da Igreja e até inimigas da Igreja.
Dialogou sempre e, portanto, foi o fenómeno espantoso de um santo, de um grande Papa que, afinal, era exatamente o contrário da imagem que as pessoas tinham dele.
Aliás, viu-se isso no funeral...
Exatamente, foi uma surpresa para toda a gente, mas gente que não acompanhou de perto o que estava a acontecer. Pelo contrário, os que o acompanharam de perto reconheceram que era um grande homem de Deus.
Ele gostava de sublinhar que a verdade mais depressa é identificada pelos simples do que pelos intelectuais, pois estes, por vezes, enrodilham-se nas suas teses e o essencial passa-lhes ao lado. As suas exéquias também revelaram isto.
Sim, a verdade é o amor, Deus é amor. E portanto ele, afirmando isto, tocou nas pessoas, realmente, de uma forma radicalmente nova, muito diferente dos seus antecessores e do seu sucessor, até agora.
Certamente, também ficará marcada na história esta coisa inaudita de escrever três volumes dedicados a Jesus de Nazaré. É uma obra incontornável na história da teologia, porque toca exatamente um dos problemas principais relacionados com a verdade.
Ou seja, a forma como o demónio ataca mais é, exatamente, destruir a figura de Cristo, alterar através da suposta ciência, da nova teologia, da nova história, que têm instrumentos bons, mas também têm, lá dentro, uma cauda serpentina.
Ora, o Papa, com uma grande erudição e um enorme cuidado científico, mas também com uma grande fidelidade à Igreja, desmonta naqueles três livros, um dos piores problemas da Igreja de hoje, que é esta destruição da imagem de Cristo.
É isto e muito mais que vamos poder ouvir no encontro desta terça feira sobre o pontificado de Bento XVI?
Vai ser difícil, porque precisaria de fazer umas 20 conferências e só me deixam fazer uma com 45 minutos (risos). Vamos ver o que vai sair, porque, de facto, a sua riqueza é tão grande que é uma injustiça estarmos a saltitar por cima de coisas extraordinárias que aconteceram ao longo dos oito anos do seu pontificado.