Donald Trump anunciou esta terça-feira que, se for eleito presidente dos Estados Unidos, retirará o país dos acordos comerciais multilaterais e abrirá uma guerra comercial com a China, que acusou de “batota” e de manipulação de moeda.
Num discurso para divulgar o seu programa económico, Trump fez uma defesa firme do proteccionismo, responsabilizando a globalização por todos os males económicos e sociais do país.
“Independência económica” foi o lema da intervenção que teve como cenário uma localidade da Pensilvânia dominada por indústrias tradicionais como aço e metalurgia, onde nas últimas décadas se perderam muitos postos de trabalho.
Definindo-se como o verdadeiro defensor dos trabalhadores, Trump disse que “a globalização só beneficiou os ricos como eu”, produzindo áreas abandonadas porque “os empregos foram para longe e a classe média foi varrida”. Com ele na Casa Branca, as coisas mudarão, acrescentou, porque a sua política não beneficiará apenas as elites como sucedeu sempre com a globalização.
Colou Hillary Clinton a essas políticas, naturalmente, acusando-a de ter “traído os trabalhadores em favor de Wall Street” ao apoiar todos os acordos comerciais assinados pelos EUA.
Nestes incluiu o NAFTA, o acordo de comércio livre com o México e o Canadá, implementado na década de 1990, que denominou “o pior de sempre” para a economia americana. Se for eleito, Trump retirará os EUA do NAFTA.
Na mesma linha afirmou que o acordo comercial com o Pacífico, TPP, negociado com vários países asiáticos, “será um perigo, porque porá uma comissão internacional a decidir por nós”. “Não tem emenda possível”. Por isso, se for eleito, Trump impedirá os EUA de assinar o TPP.
Em ambos os casos, o multimilionário considera que os acordos “arruínam a economia americana”, ao contribuírem para exportar empregos e desenvolver os outros países em vez de desenvolver os EUA. Isto porque, segundo ele, os outros países “fazem batota” com as regras do comércio livre e ao pagarem salários substancialmente inferiores deixam os EUA em situação de desvantagem. “O sistema está viciado”, disse.
“Eu porei o americanismo à frente do globalismo para defender os nossos empregos, os nossos trabalhadores, a nossa classe média. O nosso país tem de voltar a ser livre e independente”, proclamou.
Como alternativa, Trump propõe acordos bilaterais com os vários países do mundo conquistados em negociações “duras” para as quais nomeará os melhores negociadores.
A China foi um dos seus alvos principais. Acusou Pequim de fazer batota com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e prometeu identificar os casos, bem como todas as violações das regras definidas pela OMC e apresentar queixa de cada uma delas. Não excluiu, claro, retaliar através da adopção de tarifas para evitar os efeitos negativos das exportações chinesas na economia americana.
Mas foi mais longe e ameaçou declarar a China “manipuladora da moeda” para efeitos comerciais, abrindo uma guerra comercial com Pequim, cujas consequências para a economia americana não explicitou.
Num tom de claro nacionalismo económico, Trump afirmou que a América “tem de voltar a ser independente” e “voltar a ser rica”, falando de “rendição económica”. Neste contexto, elogiou o recente voto britânico pela saída da União Europeia – “também votaram para recuperar a sua independência” – e acusou Hillary Clinton de “mais uma vez estar do lado errado, enquanto eu estava do lado certo”.
Aliás, as referências ao casal Clinton foram várias. Trump acusou Bill Clinton de ser o responsável pelo NAFTA, o tal “pior tratado de sempre” para os EUA, quando o acordo foi negociado e fechado pelo presidente George Bush (pai) e apenas assinado por Clinton em 1993, quando chegou à Casa Branca.
É verdade que Clinton concordou com o NAFTA e fez tudo para o implementar, já que sempre foi um defensor da globalização. Mas também é verdade que nos oito anos em que esteve na Casa Branca, a economia americana conheceu um período de grande prosperidade coincidindo justamente com a entrada em vigor do NAFTA.
O facto de o tratado ter sido negociado e fechado por um presidente republicano também não é casual. Na verdade, os republicanos têm inscrita na sua matriz ideológica a defesa do comércio livre e sempre se mostraram favoráveis ao processo de globalização.
Foi, aliás, durante o mandato do outro presidente Bush, George W., que a China entrou na OMC, um facto também criticado por Trump. Daí que o discurso proteccionista de Trump nesta terça-feira surja à revelia das tradições do GOP e esteja longe de corresponder aquilo que pensam os seus dirigentes.
O multimilionário, mais uma vez evidenciando a sua rebeldia em relação ao partido pelo qual concorre à Casa Branca, quis ir ao encontro de todos os que se sentem prejudicados pela globalização, na esteira daquilo que sucedeu com o voto pelo Brexit no Reino Unido na semana passada.
Não foi acaso que se referiu ao referendo britânico e usou várias expressões comuns às dos defensores do Brexit, designadamente o ataque às elites, a defesa dos sectores tradicionais da indústria e a culpabilização de tudo que vem do estrangeiro. Na sua candidatura esperam-se dividendos eleitorais desta estratégia.
Pouco depois da sua intervenção, alguém lembrava na CNN que Trump, enquanto empresário, sempre recorreu ao “outsourcing”, fazendo inúmeros empreendimentos com material e pessoal vindos de outros países, justamente tirando partido daquilo que agora diz repudiar.
Mal Trump acabou de falar, a candidatura de Hillary Clinton apressou-se a colocar no Twitter uma foto de uma camisa com a etiqueta Trump “made in Bangladesh”…