Um ruidoso grupo de apoiantes de Donald Trump exibindo cartazes chama a atenção da caravana de Ted Cruz. O senador do Texas decide enfrentá-los e tentar o diálogo. A certa altura, Cruz diz que “a América será um país melhor…” e ainda não acabou a frase quando um dos manifestantes atalha “…sem você”.
O vídeo invadiu todos os sites noticiosos e marcou a campanha das primárias no Indiana. Tornou-se o símbolo do embaraço que o senador enfrentou esta terça-feira – os eleitores republicanos do estado disseram inequivocamente nas urnas que preferem uma América sem Ted Cruz do que com Ted Cruz. Foram eles que acabaram com os sonhos do texano.
E foram eles que consagraram Donald Trump como o escolhido para ser o candidato do Partido Republicano à Casa Branca. Foram eles que liquidaram em definitivo a estratégia de Cruz e do "establishment" do partido para impedir Trump de conquistar a maioria dos delegados à convenção de Julho e poder aí disputar a nomeação do candidato oficial.
O estado do Indiana inscreveu assim o seu nome na história dos republicanos ao acabar com a expectativa de uma convenção disputada voto a voto em Cleveland; ao acabar com a pretensão de um representante do ultraconservador Tea Party de disputar a Casa Branca; ao consagrar um magnata do imobiliário sem militância partidária como o porta-bandeira do partido nas eleições de Novembro próximo. Exactamente 323 dias depois de ter lançado a sua candidatura, em cujo sucesso quase ninguém acreditava, Trump consegue uma proeza que ninguém conseguia desde Eisenhower, nos anos 1950: ser o candidato do partido sem ter militância e tendo até sido apoiante do partido rival por várias vezes.
São três consequências marcantes de uma eleição primária em que quem tudo apostou tudo perdeu.
Ausência na costa leste
Após duas derrotas pesadas nas duas últimas semanas – em Nova Iorque e em cinco estados da costa leste – Ted Cruz tinha definido o Indiana como o estado onde as coisas teriam de voltar a ser-lhe favoráveis, relançando a sua campanha anti-Trump, arrecadando os 57 delegados em jogo e preparando novas vitórias até às primárias da Califórnia em Junho, que encerrariam o processo.
Para isso, quase não fez campanha na costa leste, fez um acordo com John Kasich para que ele desistisse a seu favor evitando dispersar os votos anti-Trump, anunciou Carly Fiorina como a sua candidata a vice-presidente, obteve o apoio do governador do estado e intensificou os ataques ao adversário.
Mas nem tudo correu bem. A ausência na costa leste valeu-lhe um resultado humilhante nas urnas e zero delegados. O acordo com Kasich não foi bem recebido pelas bases. Uma maioria de 58% disse discordar dele e só 34% concordou; mas, pior ainda, 63% disseram que em nada influenciaria o seu voto, enquanto só 22% admitiu essa influência. E a verdade é que, apesar da desistência, houve ainda cerca de 8% de eleitores que votaram em Kasich, enquanto muitos outros terão preferido Trump a Cruz.
A apresentação de Carly Fiorina como candidata a vice-presidente também não teve os efeitos positivos pretendidos. Com um perfil ultraconservador muito semelhante a Cruz, Fiorina não trouxe qualquer mais-valia aparente à campanha e a sua indicação foi vista por muitos analistas como uma mera jogada táctica para vencer no Indiana e não como alguém com as qualificações necessárias para ser vice-presidente do país. Isto além do timing do anúncio do candidato a vice-presidente contrariar toda a tradição do partido.
O próprio apoio do governador do Indiana surgiu como algo embaraçoso. Mike Pence fez uma declaração de apoio a Cruz, mas ao mesmo tempo elogiou Trump e aconselhou cada eleitor a decidir por si… Foi um apoio quase envergonhado e sem um apelo ao voto em Cruz.
Por fim, Cruz intensificou o tom da sua retórica contra Trump, reagindo a um rumor lançado pelo multimilionário sobre uma alegada cumplicidade do seu pai com Lee Oswald, o assassino do presidente John F. Kennedy. Indignado, Cruz fez uma declaração pausada, reflectida, em que não poupou nos adjectivos para classificar Trump. Chamou-lhe “narcisista”, “mentiroso patológico”, “totalmente amoral”, um “mulherengo em série” e prognosticou que se ele for eleito o país irá na direcção do abismo. Palavras que aparentemente não deixam margem de manobra para qualquer entendimento futuro, nem tão-pouco para um apoio, ainda que discreto, à candidatura de Trump.
Os eleitores republicanos do Indiana é que não se deixaram impressionar pelo tom solene e duro de Cruz e votaram à mesma por Trump. Deram-lhe uma vitória esmagadora com cerca de 17 pontos percentuais de vantagem, o que lhe deverá conferir os 57 delegados em disputa, e mandaram o senador para casa.
Um candidato alternativo?
Mas no seio do establishment republicano e entre centenas de "opinion makers" conservadores há uma generalizada concordância com as palavras de Cruz. O que coloca, a partir de agora, a seguinte questão em cima da mesa: com a vitória de Trump nas primárias, quantos republicanos influentes se vão resignar à sua candidatura e quantos vão lutar por uma candidatura alternativa?
Até agora, os adversários de Trump acalentaram a esperança de o conseguir derrotar na convenção do partido graças a uma disputa voto a voto dos delegados, de que Ted Cruz sairia como vencedor. Mas com esse cenário afastado em definitivo, que hipóteses restam aqueles que entendem que o multimilionário significa a ruína ideológica e política do Partido Republicano?
Alguns já disseram publicamente que não votarão em Trump. Mas aqueles que pensam que a defesa dos valores do Grand Old Party (GOP) só pode ser feita através de uma candidatura genuinamente republicana vão concentrar forças para lançar alguém prestigiado no campo conservador que aceite entrar na corrida sem ter a consagração do voto das bases do partido. E alguns nomes foram já lançados, desde o de generais na reserva a senadores ou governadores.
O empreendimento parece de grande risco, mas os seus apoiantes preferem claramente uma corrida a três em que o campo conservador seja derrotado mas defenda durante a campanha os valores republicanos tradicionais do que uma derrota que julgam inevitável com Trump como porta-estandarte do GOP. É, segundo eles, a única forma de salvar a dignidade do partido.
A avaliar pelas primárias, porém, esta é uma preocupação sobretudo das elites do GOP, já que as bases acabaram por consagrar Trump como o seu candidato. Nesta terça-feira, logo após a desistência de Cruz, um membro da campanha de Trump revelou que estavam a ser inundados por ofertas de voluntários para se juntarem ao movimento. E o presidente do GOP, Reince Priebus, escreveu no twitter que agora o movimento “Trump nunca” deveria ser substituído pelo “Hillary nunca” e declarou-o “presumível nomeado”. Por seu turno, Ari Fleischer, que foi porta-voz do presidente W. Bush, escreveu que “há muita coisa de que não gosto em Trump, mas prefiro-o a Hillary”. Indícios de que talvez o multimilionário consiga unir o essencial do partido e evitar uma candidatura alternativa à sua.
Corrida com 17 pretendentes
Em todo o caso, as próximas semanas serão decisivas nesta matéria. A expectativa é que haja uma actividade frenética de ambos os lados que tanto pode acabar em colisão como em conciliação. Veremos o que nos reserva esta disputa, mais uma, no campo republicano.
Tudo isto enquanto, entre os democratas, a luta prossegue com uma vencedora virtual evidente, mas ainda não consagrada. Ironicamente era no seio do Partido Republicano que mais se falava de uma convenção disputada, negociada, mas agora é no Partido Democrático que se usa a expressão ainda com algum sentido. Bernie Sanders, que ontem bateu Hillary Clinton no Indiana, utilizou há dias a expressão para relembrar que se vai manter na corrida até ao fim e que vai à convenção para se bater pelas suas ideias e tentar que elas integrem a plataforma política do partido à Casa Branca.
É a uma negociação ideológica que se refere Sanders, já que o senador não tem quaisquer hipóteses de derrotar Hillary Clinton na nomeação. A vitória de ontem no Indiana foi certamente saborosa para as suas hostes, até porque contrariou as últimas sondagens que davam Hillary à frente cerca de 4% e acabou por perder por cerca de 5%. No entanto, como entre os democratas a distribuição de delegados é feita de forma proporcional aos votos, Clinton deverá conquistar menos seis delegados do que Sanders, o que é irrelevante para a contabilidade final, em que mantém ampla vantagem.
A permanência de Sanders na corrida, contudo, não deixa de ser um incómodo para Hillary porque a impede de se concentrar em exclusivo nos ataques de Donald Trump, que a partir de agora não vai dar tréguas.
É mais um aspecto irónico destas primárias: a corrida republicana começou com 17 pretendentes e terminou agora, enquanto a corrida democrática começou com quatro pretendentes e uma vencedora antecipada e ainda não terminou.