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A noite está fria, mas o aglomerado de gente à porta da Academia Almadense demora a desmobilizar. Marcelo Rebelo de Sousa sai de uma "sessão pública" que lotou o cine-teatro e o regresso ao carro não é tarefa fácil. A multidão cerca-o e desdobra-se em cumprimentos e abraços e "selfies" e beijos e desejos de boa sorte.
A custo lá consegue esgueirar-se para dentro do Mercedes, no meio de um coro que entoa "Mar-ce-lo, Mar-ce-lo", e o carro arranca deixando para trás gritos de "tudo de bom!" ou "até à vitória, primo!". De acção em acção, com uma agenda diária que em tudo destoa da intensidade do programa em modo lebre de Sampaio da Nóvoa, Marcelo Rebelo de Sousa vai contando as horas até ao fim da campanha.
Andar para a frente e rápido. É a estratégia que o candidato haveria de sintetizar em Aveiro. "É uma campanha muito civilizada. [Sigo] o princípio evangélico: batem numa face, a pessoa dá outra face e depois mais outra face, depois mais outra face".
E enquanto Marcelo rodopia os seus vários rostos, indiferente às balas de todos os restantes candidatos, o tempo passa. "Conto até 100 - um, dois, três, quatro, cinco… quando chegar a 100 é o dia das eleições. Pronto, já está feito."
Eu é que sou o candidato dos afectos
De beijo em beijo, as semanas avançam. Marcelo Rebelo de Sousa não precisa de máquina partidária - todo ele é uma máquina publicitária sem necessidade de anunciar a chegada. Uma simples visita a uma pastelaria pode demorar uns bons 40 minutos - como aconteceu em Espinho, onde chegou debaixo de chuva. "É para abençoar a campanha e o resultado", diz-lhe um apoiante.
Marcelo entra na pastelaria Baviera ao lado do líder da bancada social-democrata, Luís Montenegro. Tudo serve para fazer conversa e conquistar uma gargalhada. "Ele tem este ar de menino e depois tem um charme… as senhoras perdem a cabeça. Per-dem a ca-be-ça, é o que eu ouço dizer, quando ele começa a falar, aqueles olhos azuis…", vai contando o candidato, apertado entre as mesas.
Acaba por se sentar com Montenegro para beber "uma aguinha", recordar velhos tempos e apontar uma "coincidência espantosa". Conta que nessa noite ficou no mesmo quarto de hotel que quando foi eleito líder do PSD, no congresso de Santa Maria da Feira, há quase 20 anos. "Exactamente o mesmo quarto ao fundo do corredor…".
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Agora era a vez de Montenegro fazer uma gracinha. "Isso foi quando Cristo desceu à terra, não foi?" (numa alusão à expressão usada na altura por Marcelo, que tinha posto de parte qualquer hipótese de se candidatar à liderança do partido e acabou por fazê-lo).
Pouco tempo depois, já em Aveiro, repete-se a fórmula. O candidato só tem de chegar e logo se forma uma pequena multidão compacta que lhe tolda os passos. Marcelo pára e abraça, responde "lembro-me perfeitamente" a cada pessoa que jura já ter falado com ele em tempos.
Passeia-se por um espaço comercial cheio de lojas e é fotografado de todos os ângulos ("é uma vedeta da televisão, temos de o ver", dizia um jovem para a namorada). Invade uma livraria e deixa os funcionários de olhos arregalados com o súbito desassossego. Rouba um livro a uma cliente que lê num canto calmo do espaço e tece comentários sobre a opção literária. Vai passando os olhos por dezenas de volumes, assentando a mão na capa de uns quantos enquanto repete "apresentei este e este e este".
Não evita ninguém (nem um cliente do Banif, que ficou sem nada e que lhe contou o caso em lágrimas, ouvindo de volta conselhos para que tentasse provar "que foi enganado") e não ouve os apelos da comitiva local para que comece a encaminhar-se para a acção seguinte.
Marcelo faz o que quer, quando quer. A seu tempo, há de chegar à "sessão pública" - nesta campanha não há "comícios" - que tem agendada para esse fim-de-tarde em Aveiro.
E quando chegar, há-de referir que nem teve tempo de preparar um discurso por ter gastado o tempo todo a ouvir as pessoas, a "sentir-lhes o pulso", com vagar para conversar. E o que guardou o candidato dessa "volta rápida"? Que não havia "crispação" e que "não há reserva nenhuma" relativamente à sua mensagem.
"Isso é um começo de vitória", diz, pois significa que "depois de um longo período de grande intensidade emocional", os portugueses "querem desdramatização, querem humildade e simplicidade e convergência". Características que o candidato tem transformado em "slogans" da sua campanha, juntamente com "o afecto" - que não é "mero verbo de encher", assegura, mas veículo de "aproximação".
Nestas sessões-que-não-são-comícios, Marcelo Rebelo de Sousa mais parece dar uma aula que discursar. Pose curvada sobre o púlpito, um braço apoia-se, o outro gesticula, de cara afável e pedagógica.
Poucos golpes desfere nos adversários - e quando o faz é num alvo sem nome, mas que todos entendem chamar-se Sampaio da Nóvoa. Havia de lhe apontar falta de autenticidade em Almada.
"Não se pode chegar a uma agência de marketing e dizer 'olhe, invente lá uma maneira de eu passar a ter afectos. Eu, intelectual, passo a ter afectos. Eu que tenho um discurso bonito, teórico, especulativo, passo a falar para o Zé Povinho, para a senhora Antónia, o senhor Zé, o senhor Luís, a senhora Dona Emília… Ensine-me lá isso."
Não era o caso do professor de Direito. Ele "não precisava" de treino algum. É doutorado em "proximidade" e empatia.
Se ouvir queixas de um agricultor que trata de javalis, Marcelo compreende porque por acaso até tem experiência a cuidar de javalis. Se estiver numa reunião com associações de comerciantes, Marcelo garante que está sensibilizado para o sector porque até é neto de um comerciante. Se entrar numa farmácia, Marcelo informa que é hipocondríaco. Se visitar um hospital, recorda que esteve mesmo para ser médico.
De boina bege a condizer com o casaco, Isaurinda Pires não arredou pé da beira do palco em Almada (por onde, além do candidato, passou o cirurgião Eduardo Barroso, que apareceu para elogiar e defender o amigo). Tem 61 anos, é dona de um estúdio de fotografia em Miratejo, no Seixal, e retrata "sobretudo eventos sociais", mas estava ali a título pessoal. "Já sou um dinossauro, com a minha idade já faço muita fotografia só por 'hobbie'".
Rodopia a sua Minolta para exibir a cobertura da sessão, "muito orgulhosa de tirar uma fotografia com o professor Marcelo, com muito afecto". Diz que está tomada "desde sempre" a decisão de voto e tem grande esperança de que fique "tudo resolvido" no domingo.
Ao seu lado está Nelson de Almeida, de 54 anos, que sempre foi "da cor oposta" ao vermelho comunista que tem por estas bandas um dos seus bastiões. "Almada já não tem nada a ver com [a realidade de] há uns 30 anos", quando "era impossível estarmos aqui em paz."
O engenheiro do Seixal foi ver o candidato por considerar que quem é democrata deve estar sempre presente nestas coisas e gostou do que ouviu. "O que mais me tocou foi ele ter falado numa coisa a que eu aspiro há muitíssimos anos. É mais aquilo que nos une, de direita ou de esquerda, de cima, de baixo, do centro… O importante é darmos mãos e pormos este país no sítio onde ele deve estar".
O discurso de "convergência de eleitores de muitos lados", tão sublinhado nesta candidatura, faz Nelson antever uma vitória já na primeira volta, "até porque há uma divisão bastante grande na oposição e há muita gente à esquerda que, por protesto, nem vota sequer."
Totalmente contra "o sentido de alguma 'revanche'" que identifica em "alguns candidatos que aí andam", diz que tem acompanhado estas duas semanas com atenção e o que vê "é uma campanha 'light'", pouco esclarecedora, que só lhe deixaria uma alternativa ao candidato da direita: "Se o professor não estivesse nesta campanha, não me repugnava absolutamente votar lá no [Henrique] Neto, que também é um homem que tem as ideias claras."
Debaixo da luz amarelada dos candeeiros de Almada, Nelson e Isaurinda regressam ao Seixal, já a contar com festa no domingo.
Acima dos partidos, acima da campanha
Do outro lado da rua, Ana Isabel Alves está mais cautelosa. Natural de Setúbal, foi aluna de Marcelo Rebelo de Sousa em 1987, na Faculdade de Direito de Lisboa, e recorda como "toda a gente se baldava às aulas menos às do professor Marcelo".
A advogada descreve o candidato como "uma pessoa equilibrada, com grande experiência política" e "superiormente inteligente", mas tem receio do efeito das legislativas nos eleitores que partilhem a sua desilusão. "Eu sou uma das pessoas que ficou triste com o que aconteceu nas últimas eleições. Temo que algumas pessoas agora sintam que não vale a pena ir votar porque o seu voto não é respeitado".
Uma leitura do acordo político à esquerda que muitos, dentro do PSD e do CDS, gostariam de ouvir o professor de direito alimentar, mas que o candidato recusa. No último debate com os restantes concorrentes à Presidência da República, esta terça-feira, Marcelo foi claro: "Este é o Governo que decorre da legitimidade democrática e parlamentar e é ele que deve ter sucesso".
É o que tem repetido durante toda a campanha. "Cabe ao presidente, independente, exercer o seu mandato acima dos partidos e os partidos têm de compreender isso", dizia no domingo em Santa Maria da Feira. "Desde o início disse que espero que corra bem este governo, que possa cumprir a legislatura, portanto não entro com a ideia de eleições antecipadas".
Estava o candidato a prestar declarações aos jornalistas sobre estas e outras matérias quando algo mais urgente se impôs. "Há ali uma senhora que eu quero beijocar há muito tempo e vocês impediram-me, é uma lacuna grave". Mais uma ronda de apertos e cumprimentos.
Agora sim, Marcelo pode novamente responder aos jornalistas, para defender que "os portugueses estão em condições de decidir à primeira", com a vantagem de "poupar o prolongamento deste período de transição eleitoral que já dura há um ano".
Até há poucos meses, todos os domingos, Marcelo estava acostumado a ser ouvido por largos milhares de portugueses. "Fizeram disso uma coisa pecaminosa. Parece que eu estava a violentar a democracia ao longo de 15 anos", queixava-se na sessão pública de Almada.
"Qual é o mal? O que é que está errado? É como dizer que está errado um professor estar próximo dos seus alunos. Só que em vez de comunicar com 100 alunos, com 400 ou 500, comunica com dois milhões. E daí?", questionava. "Eu não estava a pensar ser candidato a Presidente da República, estava pura e simplesmente a fazer uma coisa que entendia que era necessário fazer e que me dava prazer".
No próximo domingo, o candidato conta estar "sintonizado na alegria de uma vitória", de volta aos ecrãs mas a fazer o pleno em todos os canais, enquanto pronuncia o seu discurso de sorriso aberto. Se a campanha tivesse controlo remoto, Marcelo já a tinha puxado à frente.