“Os idosos são mesmo frágeis”, sublinha o presidente da União das Misericórdias à Renascença, no dia em que arranca a votação em lares e de eleitores em isolamento. “São os construtores daquilo que somos”, complementa o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).
Ambas as estruturas denunciam falta de condições para que os idosos em residências consigam participar em pleno nas eleições para a Presidência da República.
Dos cerca de 80 mil registados em instituições, apenas quatro mil estão inscritos para votar nesta terça e quarta-feira. Um dos motivos terá a ver com as dificuldades que os próprios lares tiveram em inscrever os utentes na plataforma da Segurança Social, que raramente funcionou, diz o presidente da União das Misericórdias.
“Se lhe mostrar a minha caixa do correio, tenho aqui uma listagem de telefonemas e de mensagens a dizer 'não consigo meter na plataforma, como é que eu faço'. Por todo o país, porque a plataforma é nacional”, denuncia, em declarações à Renascença.
Manuel Lemos garante que as queixas foram muitas e lamenta que não haja condições para que os idosos possam participar no ato eleitoral.
“O que interessa aqui é assegurar a cidadania dos idosos, pessoas, muitas delas, que foram atores do 25 de Abril, estiveram nos momentos decisivos do 25 de Abril e a quem devíamos assegurar a cidadania”, defende.
“Não vamos conseguir, porque arranjámos um sistema muito complexo que não funciona. Conseguimos quatro mil, um número que fica muito aquém daquilo que nós todos pensávamos e desejávamos”, lamenta.
Para domingo, dia oficial das eleições, a Comissão Nacional de Eleições está a pedir às juntas de freguesia que avisem os idosos de que podem sair dos lares para ir votar e que no regresso não precisam de fazer quarentena – uma atitude irresponsável, acusa Manuel Lemos, que garante que os lares não vão correr esse risco.
“Não há nenhum provedor de bom senso, com o número de óbitos que há no país nos idosos, que faça uma coisa dessas. Ainda por cima dizem que vai chover no domingo. Para os pôr numa fila a chover? Não faz sentido. Nem há possibilidade”, critica.
“Os idosos são mesmo frágeis. Nós temos que perceber do que é que estamos a falar. Parece que estamos sempre a falar de um problema dos outros, que é uma coisa sobre a qual teoriza como num estádio de futebol. Não é verdade. Os idosos são muito frágeis, não podem ir. Tenho muito respeito pela Comissão Nacional de Eleições, mas não pode escrever coisas dessas, é preciso conhecer a realidade", sublinha com veemência.
No que toca à Direção-Geral de Saúde, não emitiu qualquer orientação sobre a saída de idosos de lares para ir votar. Mas a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, pela voz do padre Lino Maia, também fala em cenário perigoso.
“Fomos insistindo na importância de as urnas se deslocarem aos lares, porque, de facto, a saída do lar neste momento é perigosa”, afirma à Renascença.
“Os nossos utentes souberam manter-se nos lares na quadra do Natal, não foram às respetivas famílias, estiveram muito tempo sem visitas, são cidadãos de pleno direito, a quem a sociedade deve muito porque foram construtores daquilo que somos e, portanto, é necessário este esforço da deslocação das urnas aos lares", insiste.
Cabe às Câmaras Municipais organizar este processo de votação antecipada. Os votos vão ser recolhidos por equipas organizadas pelas autarquias, com o apoio da administração eleitoral e das forças de segurança.
No interior dos lares, as salas de visitas e os espaços que estão a ser usados para a administração das vacinas são os locais que, nesta terça e quarta-feira, recebem as urnas de voto.
Na opinião do presidente da CNIS, o processo será fácil, “porque os nossos lares já tinham espaços autónomos – nomeadamente, os espaços destinados a visitas – com a devida proteção”.
“Há todo um processo de cuidado, de higiene, de distanciamento. As condições estão asseguradas”, conclui o padre Lino Maia.
O prazo de inscrição para a votação em lares ou de pessoas obrigadas a isolamento pelas autoridades de saúde terminaram às 00h00 de segunda-feira. Inscreveram-se 12.906 pessoas, apenas um terço das quais utentes de lares.
Ao que a Renascença apurou, estes 12.906 inscritos correspondem a 5.753 locais de voto, ou seja, os locais onde as equipas das câmaras municipais terão que ir para recolher estes votos.