O presidente da Cáritas de Beja, Isaurindo Oliveira, revela que a instituição vai avançar com campanha de recolha de alimentos.
“Apoios através da cantina social, aumentaram 50 % no mês de abril”, diz o responsável, em entrevista à Renascença, aludindo a uma “situação preocupante”, com tendência para agravamento.
Sofrem “os mesmos de sempre”, ou seja, “os mais vulneráveis e os imigrantes”. A estes, podem juntar-se, teme Isaurindo Oliveira, “os desempregados e os que, mesmo em lay-off, não conseguirão suportar os encargos assumidos.”
“Cáritas é Amor, Ajude-nos a Ajudar” é a designação da campanha de recolha de alimentos, que a Cáritas diocesana de Beja acaba de lançar. Com que justificação?
A Cáritas diocesana de Beja tem vindo a sentir nos serviços de primeira linha, ou de atendimento social, um pedido crescente de ajudas alimentares às quais temos procurado dar resposta. Em virtude da pandemia originada pelo novo coronavírus, é expectável que esses pedidos sejam mais frequentes e em maior número, fruto do aumento de desempregados verificado nos últimos tempos.
Assim, decidimos avançar com uma campanha de recolha de alimentos, denominada, "Cáritas é Amor, Ajude-nos a Ajudar", que tem como objetivo poder angariar e distribuir alimentos pelos mais carenciados. Esta angariação destina-se a colmatar as reservas de emergência da Cáritas de Beja e é destinada a apoiar pessoas que ficaram desempregadas, pela pandemia do covid-19, e os migrantes que têm recorrido aos nossos serviços. Os alimentos doados podem ser entregues na sede da nossa instituição ou, nessa impossibilidade, poderão ser recolhidos na casa de cada doador por voluntários.
Fala de um crescente número de pedidos de ajuda alimentar. De que ordem?
Posso dizer-lhe que os apoios prestados pela Cáritas diocesana de Beja, através da cantina social, às pessoas que são apoiadas diariamente aumentaram em cerca de 50% no mês de abril. No que diz respeito ao Programa de Apoio a Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC), nos concelhos de Beja, Ferreira do Alentejo, Cuba, Alvito e Vidigueira, as pessoas mensalmente apoiadas são 352. Neste momento, estamos a apoiar 370 e existem 40 famílias, correspondendo a 80 pessoas, em lista de espera.
É, de facto, um crescimento preocupante, mas a Cáritas também auxilia, de outras formas muitas pessoas e famílias no dia-a-dia...
A Cáritas diocesana de Beja apoia, em situação normal, e com o apoio do Instituto de Segurança Social, do Ministério da Saúde, do Instituto do Emprego e Formação Social, e da Fundação “La Caixa”, várias pessoas repartidas pelas suas diversas valências. No apoio à estabilização, recuperação e inserção no mercado de trabalho, ajudamos 18 pessoas vulneráveis em sistema de residência permanente na Comunidade de Inserção. Estamos também a ajudar na sua recuperação, 30 pessoas consumidoras de substâncias ilícitas e álcool, que estão em sistema de residência permanente na Comunidade Terapêutica. Já falámos de alimentação, mas queria dizer-lhe que fornecemos também quatro refeições por dia a 20 pessoas sem-abrigo/passantes, a quem apoiamos igualmente em questões de higiene e acompanhamento, no nosso refeitório social. Na cantina social, fornecemos duas refeições, por dia, a 33 pessoas carenciadas.
Na área de atuação desta instituição, há uma outra realidade que se prende com os migrantes…
Sim, é verdade. Posso dizer-lhe que apoiamos cerca de 70 migrantes em questões de legalização e apoio à integração através do Centro Local de Apoio a Imigrantes - CLAIM. Asseguramos, também, o apoio à integração de imigrantes no mercado de trabalho através do Gabinete de Inserção Profissional para Imigrantes - GIP da Cáritas diocesana de Beja. E já que falamos em integração no mercado de trabalho, acrescento que através do nosso serviço de empregabilidade, conseguimos integrar 16 pessoas nas empresas do concelho de Beja nos últimos quatro meses.
É uma atividade intensa e em permanente atualização, seguramente. Que outros apoios são prestados pela instituição?
Neste momento, auxiliamos cerca de 120 famílias carenciadas através do Rendimento Social de Emergência, através de uma ajuda pecuniária e ações de acompanhamento escolar e familiar. Damos apoio de primeira linha a 700 pessoas por ano, pessoas carenciadas do concelho, através do nosso Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social. Aqui, também damos uma ajuda pecuniária, além de fazermos o encaminhamento para outros apoios dentro ou fora da Caritas. Deixe-me dizer-lhe, ainda, que apoiamos anualmente 480 pessoas carenciadas, isto ao nível da diocese através do Serviço de Apoio Social Diocesano, aqui com uma ajuda alimentar, roupa e, e encaminhamento para outros apoios dentro ou fora da nossa instituição. Os idosos são também uma das nossas prioridades, por isso apoiamos 70 pessoas idosas, na cidade de Beja, através do Serviço de Apoio Domiciliário, com o fornecimento de refeições, higiene pessoal, higiene domiciliária.
São apoios significativos a avaliar pelas valências e números que nos revela. Considera tratar-se de uma situação preocupante, aquela que se vive nesta região?
A situação que se vive na região de Beja não se pode considerar, para já, muito preocupante, mas vislumbra-se que os próximos meses pode vir a sê-lo, principalmente se a situação económica continuar semiparalisada, e como tal, o desemprego, ou as condições de vida, se degradarem. Neste momento as situações mais preocupantes verificam-se junto de comunidades de migrantes, já que esta é uma altura de desemprego sazonal, e como tal, há insuficiência ou ausência de dinheiro para pagar rendas de casa, água, luz e, essencialmente, para alimentação. A titulo de exemplo, temos agora várias comunidades com, respetivamente, 50, 20 e 7 pessoas, localizadas em três freguesias distintas de Beja, e que não têm alimentos. É muito grave e nós, em ligação com a Segurança Social e outras entidades, estamos a tentar dar todo o apoio possível.
Neste momento de exceção, para além do contributo que é pedido à sociedade civil, a Cáritas considera que é necessário, por exemplo, o Governo avançar com outras medidas?
No nosso entender, é necessário ativar políticas de emprego a partir da base local e mediante o conhecimento partilhado do desemprego e subemprego, procurando soluções adequadas. Faltam, também, estratégias para a erradicação da pobreza, a nível local, intermédio e nacional, por isso defendemos soluções imediatas possíveis, no fundo soluções personalizadas e estruturais, isto para além da revisão das condições de financiamento dos serviços prestados pelas instituições particulares de solidariedade social, os quais cobrem apenas uma percentagem do custo destes serviços. Por outro lado, e ao nível do voluntariado, é necessário o reconhecimento de grupos de voluntários de ação social que, por vezes, com insuficiente qualificação das suas atividades, muitos deles inseridos numa tradição secular, mas que, nem por isso, reúnem condições para ser reconhecidos como «voluntários» ao abrigo da legislação em vigor. Numa outra vertente, parece-nos que é também necessária a divulgação de estatísticas do atendimento social. Para proporcionar um conhecimento generalizado de situações de pobreza e de exclusão social, como é o caso das pessoas em situação de sem abrigo, as desigualdades no acesso a cuidados de saúde, a falta de habitação condigna e outros problemas graves que afetam largos estratos da nossa população.
E que camadas da população estão a ser mais atingidas pela situação que se vive?
As mesmas de sempre, ou seja, as mais carenciadas, as mais vulneráveis, os imigrantes e, nos próximos tempos, a estes vão juntar-se os desempregados e os que, mesmo em lay-off, não conseguirão suportar os encargos assumidos.
No âmbito desta campanha, “Cáritas é Amor, Ajude-nos a Ajudar”, é feito um apelo à sociedade civil para que doe alguns bens alimentares. Quer especificar?
Sim, fazemos esse apelo nesta nossa campanha, tendo em conta a situação que se vive. Necessitamos, por ordem prioritária, de enlatados (atum, sardinha, grão, feijão, ervilhas, mistura de vegetais, salsichas, outros), azeite, óleo, polpa tomate, leite, batatas, cebolas, cenouras, maçãs, peras e laranjas ou fruta enlatada, cereais, papas de bebé, ovos, queijo, manteiga, bolachas, farinha, massa, arroz, açúcar, marmelada e especiarias. O contacto relacionado com a doação dos alimentos deve ser feito para o número de telemóvel 924385031 ou então através do email: ana.soeiro@caritasbeja.pt.
Para terminar, que mensagem quer deixar nesta altura de dificuldades e desafios, quer para as pessoas, quer para as instituições que as ajudam?
O serviço da Cáritas Diocesana de Beja tenta, através das suas inúmeras valências, minorar as dificuldades dos mais vulneráveis, e como tal, dignificar a vida pessoa humana. Este trabalho, é um trabalho coletivo, não só no seio da equipa da instituição, mas também da comunidade civil e religiosa do território em que se insere. Esta constatação parece estar, com alguma surpresa, a ser enfatizada como consequência inovadora da situação pandémica se verifica. Contudo, é algo em que a Cáritas tenta, há muito, fundar a sua ação, pelo que se apela à comunidade em geral que interiorize este princípio no seu seio e que daí possa resultar uma sociedade mais justa e mais solidária, principalmente com os mais desprotegidos e mais vulneráveis, ou seja, seja capaz de tornar esta nossa Casa Comum, mais “agradável”.