Em entrevista à Renascença, o Almirante Melo Gomes, antigo Chefe de Estado-Maior da Armada, considera que o episódio em torno da suposta substituição do atual CEMA - e o envolvimento de Gouveia e Melo na sua substituição – foi “um erro politico gravíssimo na relação que deve presidir aos orgãos de soberania de um país democrático”.
Melo Gomes lembra que o Almirante Mendes Calado foi um dos que apontou defeitos à reforma das Forças Armadas e, apesar de não querer dizer, de forma direta, que este episódio constitui uma tentativa de silenciar uma voz incómoda, admite que, “em política, o que parece é”.
Como viu a posição assumida pelo Presidente da República neste caso?
A intervenção do Presidente da República foi feita em defesa da instituição militar, como competia ao seu comandante supremo, no sentido, também, da defesa das personalidades do Almirante Calado, que teve um mandato pautado pelos princípios, pela ética e pelo sentido de dever, e também do Vice-Almirante Gouveia e Melo que se vê nesta situação muito desagradável e incómoda de estar envolvido nesta trapalhada, que é motivada, julgo eu, por um erro político gravíssimo na relação que deve presidir aos órgãos de soberania de um país democrático.
Erro gravíssimo de quem?
Do ministério da Defesa e, também, da própria Presidência da República. Do que me é dado a avaliar, esse contacto não terá sido efetuado com a clareza que é necessária e que deve presidir às interligações entre órgãos de soberania.
O Almirante Calado não estava de acordo com a reforma das Forças Armadas, que acabou por ser aprovada. Até que ponto acha que o Governo terá tentado calar a voz do Almirante Calado, substituindo-o por um vice-almirante que, depois da missão que cumpriu, é alguém muito consensual no país?
O Almirante Calado pautou sempre a sua atitude e o seu mandato por uma irrepreensível lealdade para com o poder político, apresentando, como lhe competia, aliás, no fórum adequado, que é a Assembleia da República, as suas opiniões em relação aos defeitos que a nova estrutura superior das Forças Armadas tinham.
Aliás, o que ele disse foi secundado pelos outros dois chefes, o Chefe de Estado-Maior do Exército e o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea.
E era, juntamente consigo e com todos os signatários - ex-Presidente Ramalho Eanes incluído - uma voz que criticava a reforma das Forças Armadas.
Mas criticava com a lisura própria de quem é leal e fiel ao juramento que fez de cumprir com lealdade as funções que lhe foram confiadas.
Mas até que ponto é que isso poderá ter motivado uma tentativa de afastar por parte do poder político, encontrando alguém consensual no país e não levantaria qualquer dúvida?
É uma interpretação que eu não quero fazer, mas sabe que, em política, o que parece é. Portanto, o que queria acrescentar é que a unanimidade em relação às alterações da legislação da estrutura superior das Forças Armadas, de facto, não existiu. Só houve unanimidade no domínio do poder político.
Não podemos esquecer que 28 ex-chefes, entre os quais me incluí, com muita honra, assinaram uma carta dirigida ao poder político, apontando os defeitos que esta lei e as questões que esta lei ia levantar.