A bastonária da Ordem dos Advogados é muito dura com os recentes desenvolvimentos da Operação "Tutti Frutti". Em declarações exclusivas à Renascença, Fernanda de Almeida Pinheiro considera que divulgar informações de um processo em segredo de justiça e sem arguidos constitui “um atentado ao Estado de direito democrático”. E é especialmente critica em relação à morosidade desta investigação.
“É evidente que não se pode aceitar que um processo esteja em investigação durante seis anos e que sejam do conhecimento público escutas que fazem parte deste processo quando ainda não existem arguidos constituídos, segundo ouvi na comunicação social, porque eu não conheço o caso”, diz Fernanda de Almeida Pinheiro.
Logo de seguida, a mesma responsável acrescenta, perentoriamente, que “é evidente que isto não pode acontecer”. “É uma clara violação daquilo que são as regras da investigação. É também uma clara violação dos direitos dos arguidos visados e é também uma clara violação do Estado de direito democrático”.
Em relação à discussão em praça pública de processos sem arguidos, a bastonária da Ordem dos Advogados corrobora as críticas de que casos como este revelam perigo de contaminação e influência da justiça na luta política diária.
“Não deveria acontecer como acontece, muitas vezes, que o judicial vem integrar a política e vice-versa. A separação de poderes é absolutamente essencial e a política julga-se em eleições. Não podemos usar os meios judiciais para atacar politicamente as pessoas. Infelizmente isso acontece demasiadas vezes”, argumenta.
Na semana passada, a TVI e a CNN divulgaram mais escutas do processo “Tutti Frutti”, que começou a ser investigado em 2018. O Ministério Público terá assumido formalmente suspeitas sobre Fernando Medina, atual ministro das Finanças.
Todos os delitos estarão relacionados com a Operação "Tutti Frutti", na qual estão implicados alegados atos de corrupção, participação económica em negócio, financiamento proibido de partidos, prevaricação de titular de cargo político, tráfico de influências e abuso de poder.
Para além do ministro das Finanças, Fernando Medina, também o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, é suspeito por atos em que os dois governantes eram presidente e vice-presidente da Câmara de Lisboa, respetivamente. Ambos são suspeitos: não são arguidos, nem estão acusados.
A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro considera que os seis anos de investigação podem “chocar as pessoas”, mas defende que a questão da morosidade na justiça não se resolve tirando direitos aos cidadãos. O problema reside na falta de meios no sistema judicial para cumprir prazos.
“Se calhar as investigações demoram muito tempo e quando chegamos com as coisas a tribunal já estão a queimar prazos. Vamos pegar no exemplo de agora, seis anos de investigação, quando as coisas chegarem a tribunal a defesa, e bem, vai usar dos seus direitos processuais e requerer a abertura de instrução, como está a acontecer com o processo Marquês. Vai demorar dois ou três anos. Quando chegarmos a julgamento, qual é a probabilidade de este processo ficar com uma prescrição?”, questiona.
A falta de meios é transversal a todo o sistema, e a bastonário aponta o caso do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, onde o número de juízes desembargadores é apenas metade dos que deviam ali estar colocados. “Isso é justiça? Não é. A regulação da relação das pessoas e das empresas com o Estado pode demorar 10 anos, 12 anos”, critica.
Almeida Pinheiro volta a chamar atenção para a greve de funcionários judiciais que decorre desde janeiro. “Estamos em junho e ainda não têm um estatuto aprovado. Estão a ser adiadas diligências todos os dias. Como é que isso vai impactar nas pessoas que estão nestes processos? Num atraso enorme”, diz.
“Eu sei bem o que atrasa os processos, as pessoas que têm poder também sabem, mas tenho dúvidas sinceras de que as queiram resolver. O tempo passa, ouvimos sempre as mesmas queixas, sem as resolverem”, sublinha.
A bastonária da Ordem dos Advogados considera que o caso "Tutti Frutti" é apenas a ponta do iceberg da profunda crise em que a justiça portuguesa está mergulhada.
“É bom que não nos esqueçamos que estas são apenas as situações conhecidas. Há outras particularmente mais graves e que são desrespeitadas todos os dias, simplesmente não são do conhecimento público porque não visam pessoas conhecidas. Temos de olhar para a justiça como um todo e não temos de falar apenas de um, dois ou três casos. O estado da justiça não se afere assim. A justiça não está mal por saírem umas escutas nos jornais, isso indigna e é bom que indigne”, concretiza Fernanda de Almeida Pinheiro.
E critica a falta de ação dos dois executivos liderados por António Costa. “É verdade que este Governo tem um ano e meio de mandato, mas antes já tínhamos um Governo encabeçado pelo senhor António Costa. Por que razão nada está a ser feito? Porque é que antes dele muito pouco foi feito?”, questiona. “O que vemos no terreno é um desinvestimento total”, remata.
Além dos dois ministros do Governo de António Costa, vários sociais-democratas, entre eles o atual deputado Carlos Eduardo Reis - que não é arguido, nem foi ouvido -, o líder da distrital de Lisboa, Luís Newton, e o ex-deputado Sérgio Azevedo viram-se envolvidos numa série de reportagens televisivas, com base nas escutas e comunicações da Operação "Tutti Frutti", tendo o PSD pedido rapidez na investigação e a avisar que não pactuará com qualquer falha ética ou legal.