“Quiet quitting” ou "despedimento silencioso", na tradução portuguesa. O fenómeno já viralizou nos EUA e está a levar as gerações mais novas a não fazerem mais do que está estabelecido no contrato de trabalho, sem horas extraordinárias nem dedicação total à empresa. Para o vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), também em Portugal "já começa a surgir entre os mais jovens uma tendência de cumprir à risca o horário de trabalho" e Hugo Vieira tem uma certeza: tem de haver "um equilíbrio" entre o bem-estar dos jovens e aquilo que é a produtividade das empresas.
"Temos efetivamente de subir salários e ter a capacidade, enquanto empresas, de retribuir melhor os colaboradores. Reter talento significa também pagar melhor. E isso é possível se conseguirmos baixar a carga de impostos sobre os salários e sobre as empresas, porque o tecido produtivo tem uma carga fiscal muito pesada. Só assim vamos conseguir dar aos jovens uma perspetiva de crescimento, de evolução de carreira e de evolução de salários."
No Geração Z desta semana falamos sobre a forma como as gerações mais novas estão agora a olhar para o mercado de trabalho: o Quiet quitting veio para ficar? Os jovens deixaram de ter perspetivas de carreira? Apostar na formação ainda vale a pena sabendo eles o que os espera? Por que razão a inflação continua a ser desculpa para não se aumentarem salários se estes já eram baixos antes de os preços dispararem?
O vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários reconhece que "temos de ficar atentos" às necessidades que os jovens de hoje apresentam. E aponta como desafio o "enorme fosso geracional" que existe entre patrões e colaboradores.
"Temos de fazer a transição geracional. Há um elevado número de gestores que têm mais de 60 anos. Não podemos ter à frente destas organizações pessoas que já têm 60, 70, 80 anos, porque nunca vão conseguir perceber e acolher as necessidades do jovem que entra no mercado de trabalho. As empresas têm de percorrer esse caminho. E esse caminho ainda é muito longo, ainda vai demorar alguns anos, porque o fosso geracional é enorme", alerta.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a grande maioria (60,7%) dos trabalhadores por conta de outrem, com idades entre os 20 e os 30 anos ganha um salário mensal líquido inferior a mil euros. Já no que diz respeito ao desemprego jovem, de acordo com o Eurostat, em janeiro Portugal também registou um agravamento do desemprego ao subir para 20,5% face ao mês anterior, sendo o quarto país com a taxa de desemprego jovem mais elevada (apenas atrás de Espanha, Itália e Eslováquia). Apesar deste cenário, Hugo Vieira sublinha: "vale a pena continuar a apostar na formação".
"Os jovens mais qualificados são aqueles que conseguem mais rapidamente ingressar no mercado de trabalho. Isso é inegável. E hoje 58% dos trabalhadores por conta de outrem já têm contratos sem termo, ou seja, está a evoluir. Mas a verdade também é que eles recebem salários abaixo daquilo que recebem os jovens da União Europeia. Há uma fuga de talentos de jovens entre os 20 e os 30 anos que ganham menos de mil euros para o espaço europeu porque têm outras oportunidades e porque tendencialmente ganham nas mesmas funções 2 a 3 mil euros", reconhece.
Hugo Vieira identifica precisamente como "maior problema" a dificuldade de Portugal em conseguir reter talento e dá o exemplo da região do Algarve que nesta altura "está a sofrer muita pressão por causa da questão do emprego".
"A região do Algarve vai precisar de um crescimento de quase 8 mil postos de trabalho. E nós não temos esses postos de trabalho. Ao deixarmos fugir jovens, ao não retermos o talento, temos de recrutar outros jovens, se calhar menos qualificados, a outras geografias. E este é um caminho que vai trazer sempre custos. Custos porque os jovens portugueses que são qualificados saem e com isso nós desperdiçamos 18 e 20 anos da sua formação. Estamos a desperdiçar tudo o que nós, enquanto sociedade, investimos".
Aos jovens, o vice-presidente da ANJE deixa um conselho: "devem continuar a acreditar que Portugal pode dar-lhes condições e considerar as empresas portuguesas como uma oportunidade".
"Não tenham medo de considerar criar o próprio negócio. Portugal tem boas condições porque está no mercado europeu, porque tem relações privilegiadas com os países da CPLP e com a maior parte dos países do mundo. Temos condições ótimas para poder empreender, para poder criar uma nova geração e não deixarmos que esta fuga de talentos seja um processo sem volta", remata.