Alexandre Mendonça vive há décadas na Venezuela e nunca viu uma crise assim. Em entrevista à Renascença a partir de Caracas, conta que no país de Nicolás Maduro “há fome de tudo: de pão e de Deus”.
A comunidade portuguesa está a passar muito mal, tal como os restantes venezuelanos, conta o sacerdote da paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Coromoto, Caracas.
Tal como os restantes venezuelanos, o padre Alexandre Mendonça tem dificuldades em obter comida e outros bens essenciais e não é o único. O problema é transversal a todos os portugueses a viver no país, sejam eles pobres ou ricos.
Como está a situação na Venezuela?
Há muita realidade da Venezuela que é conhecida primeira fora do que cá dentro. Porque aqui, tanto a rádio como as televisões locais, lamentavelmente não transmitem quase nada. Há só um canal que dá algumas notícias, mas também de maneira muito controlada. Não é fácil quem está aqui em Caracas saber o que se está passando fora, senão através dos meios electrónicos, dos telefones.
Estamos a viver uma situação que nunca imaginamos, extremamente difícil, não vemos sintomas de melhora, as pessoas estão a manifestar-se. O problema é que a violência cada dia aumenta, não são manifestações em calma nem em paz; já há cerca de 45 ou 50 mortos desde o início das manifestações na rua.
É o momento mais difícil. Estou há 50 anos na Venezuela e nunca imaginei que íamos viver o que estamos vivendo. Não há alimentos, nem medicamentos, que são as coisas mais graves pelas quais estamos passando neste momento. A insegurança é cada dia maior. As autoridades que deviam implementar maior segurança, às vezes, são as mesmas que fomentam a agressão e a desordem pública. É uma tristeza.
O que falta aos emigrantes portugueses mais desfavorecidos?
Falta o que falta a todos na Venezuela. Honestamente, o que falta aos mais pobres é o que falta os mais ricos. Por isso, muita gente que pode vai saindo do país, já tem os filhos lá fora, os velhinhos estão lá fora. É assim, quem pode, está saindo, em grandes quantidades aqui do país; e os que não podem estão a sofrer as consequências, que estão sofrendo todos.
O padre Alexandre Mendonça já pensou em sair da Venezuela?
Honestamente, não. Eu sou padre da Missão Católica há quase 30 anos. Se houvesse três ou quatro sacerdotes, podia pensar em descansar um pouquito, mas nesta circunstância eu considero que não deveria certamente, nem vou fazê-lo, deixar a comunidade. Sou nascido na Madeira, sou formado na Venezuela e sou sacerdote na Arquidiocese de Caracas.
Conte-nos o seu dia quando vai ao supermercado? O que consegue comprar e o que não consegue comprar?
A gente não vai comprar o que a gente necessita. Compra-se alguma coisinha daquilo que existe, que nem sempre é o mais necessário. O mais necessário praticamente não se consegue.
E o que é que é o mais necessário?
Bem, o comer de todos os dias. Para comprar um pãozinho tem que se estar numa fila de horas. Não posso estar nisso, com tanto trabalho que eu tenho. Come-se arepa, que é o pão da Venezuela, quando há farinha de milho. É uma situação muito difícil, na Venezuela há fome. Há fome de tudo: de pão e de Deus.
A situação política é complicada e houve até apelos do Papa à própria Igreja.
Sim, sim. Esta semana, o Santo Padre mandou uma carta, mas fazendo um apelo. E graças a deus que a Igreja aqui na Venezuela tem sido um factor de muito apoio para o povo. Há paróquias onde estão fazendo, pelo menos, uma comida ao dia. Chamam as sopas solidárias. Há muitas paróquias que fazem este trabalho há muitos meses. Com o pouquinho que se consegue, preparar comida para dar à maioria, pelo menos, uma vez ao dia.
Portugal prepara um plano de emergência caso seja necessário retirar emigrantes da Venezuela. O que pensa disso?
Eu peço a Deus, como um homem de fé, que isso não suceda, porque também não é fácil deixar este país quem tem aqui a sua vida toda; já têm filhos, já têm netos e vão com tanta gente para onde, na tristeza. É muito difícil, é muito difícil a nossa situação.