Alphonse Muia tem 25 anos e é ativista da organização CYNESA - Catholic Youth Network for Environmental Sustainability in Africa –, que funciona como uma rede de jovens católicos para a sustentabilidade ambiental em 10 países africanos. O seu trabalho centra-se na educação, sensibilização e em intervenções como limpeza de praias ou plantação de árvores. Presente como observador na Conferência do Clima em Madrid, este licenciado em Ciência e Sustentabilidade mostra desencanto com a atitude dos países ricos no combate às alterações climáticas. Em entrevista à Renascença, Alphonse explica como a religião pode ajudar a um combate que em África vai a par do combate à pobreza.
Qual é o maior desafio nesta área em África ?
Os jovens ativistas climáticos e ambientais enfrentam inúmeros desafios. Um deles é uma resistência principalmente do Governo. Quando tentamos expor coisas que não são feitas de forma perfeita pelo Governo, eles tentam começar a atrasar os processos. Às vezes tentam diminuir o vigor e o zelo dos jovens. Temos também um problema ao lidar com os próprios jovens. Em África, os jovens enfrentam altas taxas de desemprego e tendem a ser muito impacientes. E em tudo o que fazem, querem obter ganhos financeiros. Portanto, na maioria das vezes, estamos a fazer mobilização e a trazê-los para bordo quando, no fundo, eles só querem ganhar rapidamente algumas centenas em dinheiro. Esses são apenas alguns dos muitos desafios que enfrentamos. Mas estamos realmente a tentar trabalhar com os nossos recursos mínimos para causar um grande impacto. Fico feliz por estarmos realmente a tentar “nadar neste oceano” de muitos desafios, mas depois somos também iluminados por muitos sucessos que estamos a ter.
Então os mais jovens em África não se mobilizam como na Europa ?
Estive na marcha pelo Clima em Madrid e realmente vi jovens a sair para a rua com muita vontade. Não têm que ser empurrados ou mobilizados através de folhetos e dando-lhes muitos incentivos. Basta a importância de participar. Em África estamos a tentar uma mudança de paradigma, mas, para nós, é um desafio. Os jovens gostariam de receber algo no final do dia, algo que muitas vezes não é muito prático. Estamos a tentar ensinar-lhes a importância de participar nestas coisas, a dizer-lhes que mesmo que não estejam a receber financeiramente isso pode funcionar a longo prazo.
Qual é o maior desafio ambiental em África ?
África é um continente que está a viver a realidade das mudanças climáticas, porque estamos realmente a sofrer. Estamos a contribuir com emissões mínimas mas somos realmente atingidos pelos efeitos. África é um continente afectado pelas secas e quando elas surgem é sempre de uma forma extrema. E quando chove, também é de uma forma extrema, como aconteceu agora no leste de África e em particular no Quénia, de onde venho. Depois de um longo período seco de seca, estamos agora com estações chuvosas. Mas também isso não está a ajudar muito, porque o oceano Índico está a aquecer e a causar estragos em terra. Esses são alguns dos desafios ambientais que estamos a enfrentar na África, para além do Ciclone Idai de que ouviu falar. África, em muitos aspectos, vive desastres ambientais e também temos menos capacidade em termos de adaptação. Precisamos de um pouco de capacitação. Precisamos de ser ajudados para nos podermos adaptar a essas mudanças.
Está desapontado com a COP25 em Madrid ?
A nível pessoal, interagi com algumas delegações desses países ricos e quando falam parecem empenhados, mas na mesa das negociações as coisas são diferentes. Tudo está focado no artigo seis do Acordo de Paris, onde estamos num impasse sobre os mercados de carbono. É como se eles não soubessem contar, sabe? Eles andam sempre para a frente e para trás. Para mim é como se as pessoas quisessem fugir das suas responsabilidades. É o princípio do poluidor-pagador. Você polui, então paga pelo dano. Então, para mim, sinto que esta COP foi um logro e podemos ir para casa sem conseguir muito face ao que esperávamos.
O Papa acaba de reafirmar a ligação entre Ambiente e a Paz. Qual é a ligação que vê neste particular em África ?
Para começar, temos um conflito entre a vida animal selvagem e o humano. Isso torna-se uma questão de segurança e paz. As pessoas sentem que os órgãos reguladores preferem proteger os animais mais do que as pessoas. Por aqui pode entender a maioria dos conflitos de interesse. Em matéria de segurança, conflito e paz, os nossos poços estão a secar. Nós não temos água. Então, as pessoas estão a lutar pelos recursos limitados que vão tendo. E então sim, existem possibilidades de levar África, ou neste caso, o Quénia a combates. A paz tem espinhos por todo o lado, porque as pessoas estão a lutar pelos recursos limitados que restam.
Onde é que entra a religião aqui ?
Nós realmente seguimos a "Laudato Si" na operação da nossa organização. A "Laudato Si" fornece-nos muitos outros ensinamentos sociais. Quando falamos da opção preferencial pelos pobres, isso dá-nos valores para considerar pessoas que estão realmente a sofrer ou que não têm capacidade para evitar ou adaptar-se a algumas destas questões. Para mim, como católico e de um ponto de vista religioso, estamos a usar a moral, principalmente a Doutrina Social da Igreja, na nossa acção.
E a Igreja em África está consciente deste desafio ?
Pelo que observei até agora, a comunidade católica na África ajuda-nos muito. E se não fosse assim, a nossa organização estaria muito incapacitada, porque geralmente trabalhamos com jovens em paróquias e capelanias. E essas instituições que são chefiadas por padres e bispos. Então, sim, posso dizer que a Igreja apoia -nos. Alguns dos sacerdotes podem não estar cientes destas coisas porque nos seminários eles são doutrinados em Filosofia e Teologia e os aspectos do ambiente podem não surgir de uma forma muito clara. Mas estou contente por realmente se mostrarem muito interessados em aprender muito connosco. E, sim, as coisas estão a melhorar.
Muitos questionam como se consegue colocar o foco no ambiente junto de pessoas mais preocupadas em coloca comida na mesa.
A resposta para isso é a sustentabilidade. Em África as pessoas terão que depender dos recursos naturais para viverem e para ter comida na mesa. Para mim, o principal factor que devemos reforçar em África é o critério da sustentabilidade. Temos que depender da natureza. Mas a forma como interagimos com ela tem que ser sustentável. Tudo o que estamos a fazer, precisamos de o fazer de maneira sustentável. Se precisar de cortar uma árvore. terá que ver que plantas reserva para realizar um reflorestamento. Na verdade, estamos a participar em campanhas de redução com as pessoas que estão nessa cultura de usar e deitar fora. Mais uma vez, estou contente pelo facto de o Ministro do Ambiente do Quénia ter actuado ao proibir os plásticos. Se for a um supermercado, não poderá fazer compras em sacos de plástico no Quénia, no Ruanda e muitos outros países africanos estão a seguir o exemplo. A sustentabilidade é fundamental.