O arcebispo de Évora convida todos os cristãos da diocese a unirem-se, esta sexta-feira, ao ato de consagração da Rússia e Ucrânia, ao Imaculado Coração de Maria, porque “a paz nasce do coração dos homens”.
Em entrevista à Renascença, D. Francisco Senra Coelho observa que “só corações com paz, geram paz” e que esta “não é fruto de conversações ou pactos diplomáticos”.
“Tudo isso é muito frágil quando o coração tem ódio, rancor, quando clama e pede vingança”, sublinha, lembrando que “a paz chega ao nosso coração através de Deus”.
O Papa Francisco pediu aos bispos do mundo inteiro, que se unam neste dia 25 de março, para um ato de consagração. O Santo Padre vai, assim, consagrar a Ucrânia e a Rússia ao Imaculado Coração de Maria, a partir de Roma, numa iniciativa que acontece em sintonia com Fátima.
“Que Nossa Senhora interceda junto de Deus, para que cure tantos corações feridos nesta a incompreensível, irracional violência, que poderíamos mesmo dizer, sacrílega violência, porque atinge o que de mais belo existe, que é o ser humano, sobretudo na inocência das crianças e na vida consumada e dura dos idosos”, declara o prelado.
“É muito fácil iniciar uma guerra, mas muito complexo de terminar uma guerra”, recorda. “É a história da humanidade que o ensina, pois são cicatrizes e feridas que é necessário curar”.
D. Francisco lembra que Deus é “quem tem a chave do coração dos homens, da misericórdia e do perdão, porque é Amor”, e a paz “começa a nascer”, quando “amarmos com o amor com que somos amados”.
O arcebispo de Évora associa-se, em Fátima, à iniciativa, onde estará o enviado do Papa para esta ocasião, o cardeal Konrad Krajewski, que preside à recitação do Terço, na Capelinha das Aparições.
O conflito e a Mensagem de Fátima
Quando visitou Portugal, em 2010, o Papa Bento XI, afirmou que a Mensagem de Fátima não estava esgotada, embora a terceira parte do segredo ou o “terceiro segredo” de Fátima, como é mais conhecido, tivesse sido anunciado em 2000, na missa de beatificação de Francisco e Jacinta, na altura, presidida pelo Papa João Paulo II.
“Efetivamente, podemos dizer que este terceiro segredo de Fátima, é uma linguagem apocalíptica e, ao mesmo tempo, repleta de simbologia, de metáfora, e que se repete e se relê em muitos outros momentos da História que estão a acontecer”, afirma, D. Francisco Senra Coelho.
“Nossa Senhora, na sua mensagem, referiu-se à Rússia, para dizer que deveríamos rezar muito pela sua conversão, para que ela não espalhasse os seus erros e não originasse muitas guerras”, lembra.
“Eu interrogo-me”, prossegue, “se nós temos realmente rezado muito pela Rússia e também pergunto, se a Rússia não significará todos os povos, todas as nações que assumem atitudes de totalitarismo e desumanidade”, ou seja, “uma espécie de Babilónia que passou à literatura, como símbolo de repressão”.
À Renascença, o arcebispo de Évora faz questão de sublinhar que, em todo este conflito, é necessário “separar a nação, daquilo que é a ambição de um regime que governa um povo e que, provavelmente, na demagogia, manipula esse povo”.
O povo russo, acentua, “é um povo com uma história cristã maravilhosa na Igreja Ortodoxa, que nos seus líderes, nem sempre sobre ser livre do poder político, mas o povo russo é um povo irmão, é um povo amado por Deus”.
“Acredito que a consagração da Rússia está feita”
Nossa Senhora pediu, em Fátima, que a Rússia fosse consagrada ao seu Imaculado Coração, um ato que levaria muito tempo a ser concretizado. De resto, foram efetuadas várias iniciativas por diferentes Papas, mas a Irmã Lúcia só confirmaria a consagração feita por João Paulo II, em 25 de março de 1984.
Décadas depois, ainda há quem tenha dúvidas sobre se consagração pedida por Nossa Senhora, foi declaradamente feita, argumentando com o facto de que nem todos os bispos a teriam realizado.
“Parece-me que esta interpretação enferma de uma certa pobreza, como se o céu estivesse com uma espécie de lista de todos os bispos, a ver se estavam todos ou faltava algum”, ironiza, D. Francisco.
“Eu não ponho em causa aquilo que Nossa Senhora pediu. Devemos fazê-lo com toda a confiança e com toda a fidelidade, mas custa-me muito aceitar essa interpretação de que a consagração, segundo a mensagem, não foi válida porque alguns bispos não aceitaram e não a fizeram, ou se esqueceram, perante a globalização deste mundo imenso, onde a Igreja está espalhada nos cinco continentes, e que numa parte qualquer do mundo, um bispo não o tenha feito, unido ao Papa”, insiste o arcebispo de Évora.
“O coração de Deus é absolutamente atento aos seus filhos. Deus não é mesquinho. Deus é grande e estas coisas não são, nem matemáticas, nem automáticas. São como o amor e como a ternura. Quando Deus dá, dá tudo e Ele percebeu que João Paulo II deu tudo”, enfatiza.
“Eu acredito que a consagração da Rússia está feita”, acrescenta, olhando para este momento “como uma renovação dessa consagração, a partir de dois povos, para que se abracem e se perdoem. Que haja cura do coração, que haja reconciliação, pois são dois povos cristãos, Não é compreensível e é um escândalo, o exemplo que estamos a dar como cristãos”.
“Humanamente, a Rússia já perdeu a guerra”
Sobre a violência que está a atingir a Europa, o arcebispo de Évora considera que “os irmãos da Rússia estão a exercer uma violência absolutamente atroz e com marcas graves de desumanidade e com a aspetos de crime contra a própria humanidade”.
Diz D. Francisco Senra Coelho que “não há nada que justifica a morte de crianças, de doentes, de parturientes ou de velhinhos”, uma vez que esses não são perigo nem para a independência, nem para a segurança da Rússia”.
Por isso, prossegue, “a Rússia extravasou tudo. Nada é razoável já neste momento. Humanamente, a Rússia já perdeu a guerra, e os ucranianos, com a sua resistência, com a sua resiliência, com a sua coragem, já venceram esta guerra aos olhos da humanidade”.
O pastor da diocese alentejana apela “à consciência cristã de todos, a uns que deixem de agredir e a outros que aceitem perdoar”.
“Não há absolutamente inocência em nenhum dos lados, por isso, ambos têm que dar um passo em frente, mas é diferente o passo que cada um deles tem que dar”, acrescenta o prelado.
É neste espírito que “convido a arquidiocese de Évora e como bispo da Igreja, todos os cristãos a unir-nos, dia 25, ao Papa Francisco, no delegado que envia a Fátima, e a fazermos uma profunda oração pela paz, a sabermos acolher a este povo ucraniano, na sua aflição indescritível, e a sabermos ser para eles um espaço de segurança e conforto”, termina, D. Francisco Senra Coelho.