A Convenção 182, sobre as piores formas de trabalho infantil foi aprovada na Conferência da OIT realizada em 1999, em Genebra. Precisou de 21 anos para ser ratificada pelos 187 estados-membros da organização. O último foi o Reino de Tonga que, através da sua embaixadora depositou hoje, formalmente, o instrumento de ratificação junto do Diretor Geral da OIT, Guy Ryder. Mesmo assim, é a primeira convenção a Organização Internacional do Trabalho a conseguir a ratificação universal.
A Convenção apela à proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo a escravatura, o trabalho forçado e o tráfico. Proíbe ainda a utilização de crianças em conflitos armados, prostituição, pornografia e outras atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e trabalhos perigosos. É uma das oito convenções fundamentais da OIT.
Para o diretor geral da OUT, Guy Ryder, é um marco histórico e que, a partir de agora, permitirá a todas as crianças gozar de proteção legal contra as piores formas de trabalho infantil. “Reflete um compromisso para que as crianças não possam ser usadas em trabalhos que possam prejudicar a sua saúde, a moral ou o bem-estar psicológico”.
A ratificação – agora universal – já foi saudada também pelos representantes sindicais e empresariais na OIT.
A Organização Internacional do Trabalho estima que existam mais de 152 milhões de crianças em trabalho infantil, quase metade delas, em trabalhos perigosos. Setenta por cento do trabalho infantil é prestado na agricultura e prende-se com a pobreza e as dificuldades das famílias em conseguir um trabalho digno, obrigando por isso os mais novos a contribuir para o sustento.
Covid-19 pode destruir os progressos alcançados nos últimos anos
A luta contra o trabalho infantil é um dos principais objetivos da OIT desde a sua fundação, em 1919. Cem anos depois, continua a ser a prioridade do Programa Internacional para a Erradicação do trabalho Infantil (IPEC+), um dos maiores programas da organização, de cooperação para o desenvolvimento que já deu assistência a mais de cem países dos cinco continentes.
Nos primeiros dezasseis anos do séc. XXI, a incidência do trabalho infantil, incluindo as suas piores formas, diminuiu 40%. Foi o resultado do aumento de ratificações das Convenção 182ª e da 138ª, sobre a idade mínima de admissão ao trabalho, assim como da adoção de leis e políticas efetivas em diversos países.
No entanto, segundo a OIT, o ritmo e progresso abrandou nos últimos anos, principalmente em relação à faixa mais jovem (entre os 5 e os 11 anos) e em determinadas zonas geográficas.
Mas a pandemia pode significar um real retrocesso no caminho feito nas últimas duas décadas: o aumento da pobreza pela falta de emprego, a redução de salários e de proteção social, aumenta o risco das crianças entrarem no mercado de trabalho e contribuírem para a economia familiar. Por isso a OIT chama a atenção para a necessidade de se adotarem medidas sociais e económicas urgentes que impeçam esse retrocesso.
Ratificação universal deixa sonho do Prémio Nobel kailash Satyarthi mais próximo
“Sonho com um mundo seguro para todas as crianças, em que a infância seja segura. E em que todas as crianças gozem a liberdade de ser crianças”. As palavras são do ativista indiano Kailash Satyarthi que liderou inúmeros projetos ligados à defesa dos direitos das crianças. O mais conhecido é a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil, uma plataforma que agrega organizações não governamentais de todo mundo que lutam contra o trabalho infantil.
Em 1998 iniciou uma Marcha que envolveu mais de cem países e percorreu 80 mil quilómetros. Culminou em Genebra, com milhares de crianças vítimas do trabalho infantil e que nas ruas da cidade suiça apelaram à aprovação de uma convenção contra o trabalho infantil.
A aprovação da Convenção 182 da OIT ocorreu no ano seguinte e foi desde logo ratificada por 180 países. Portugal foi um deles.
Em 2014, os esforços de Kailash Satyarthi em defesa dos direitos das crianças e contra as piores formas de trabalho infantil foram reconhecidos com a atribuição do Prémio Nobel da Paz, que partilhou com a jovem paquistanesa Malal Yousafzai.
CNASTI satisfeita com ratificação universal da Convenção, mas alerta para o que se passa no terreno
Fátima Pinto, presidente da CNASTI – Confederação Nacional de Ação sobre Trabalho Infantil – está satisfeita por, finalmente, todos os países da OIT terem ratificado a Convenção. No entanto, alerta que “é preciso ir além do papel, a lei tem que ter reflexos no terreno. E nós sabemos que mesmo em países em que a Convenção já foi ratificada há vários anos, na realidade, continua a existir trabalho infantil, os direitos das crianças continuam a ser violados”.
Para esta dirigente associativa não há dúvidas que a pandemia irá agravar a situação já que o desemprego está a aumentar e os mais novos são chamados a contribuir para o orçamento familiar.
Apesar de proibido, Fátima Pinto afirma que continua a haver trabalho infantil em Portugal. As áreas da moda, espetáculos e desporto são aquelas em que aparecem mais crianças a trabalhar. As violações detetadas prendem-se sobretudo com os horários praticados, que vão muito além do permitido por lei. Segundo a presidente da CNASTI nalgumas fábricas de confeção ainda há menores a trabalhar, assim como na restauração. “Este ano não se nota tanto porque, infelizmente, com a pandemia, ainda há muitas casas fechadas”.