Quanto mais publicidade institucional houve, mais fortes estão os meios de comunicação social, sobretudo os jornais regionais, defende o presidente da Associação de Imprensa Cristã (AIC), Paulo Ribeiro.
Em entrevista à Renascença e agência Ecclesia, Paulo Ribeiro admite que a pandemia abalou a imprensa de inspiração cristã e “algumas publicações, mais pequenas, fecharam portas”, mas outras conseguiram reinventar-se e levar a informação às comunidades num momento crítico para o país e para o mundo.
O financiamento do setor é um grande problema. Paulo Ribeiro mostra-se preocupado com o impacto nas receitas publicitárias da crise no comércio tradicional, “que é o grande suporte publicitário de um jornal regional”, e a crescente dependência das autarquias. O Estado deve investir mais em publicidade institucional.
Defende também a criação de um jornal de âmbito nacional de inspiração cristã, jornalismo rigoroso para ajudar a combater as “fake news” e ser alternativa a grupos económicos que "condicionam o espaço informativo".
Alertas do presidente da AIC na antecâmara das Jornadas de Comunicação Social, que vão decorrer de 23 a 24 deste mês, em Fátima.
Neste momento, já é possível ter uma ideia aproximada dos efeitos mais negativos que a pandemia teve na imprensa de inspiração cristã, sobretudo no que respeita ao impacto económico?
Neste momento, ainda não é possível ter essa radiografia, gostaríamos de ter reunido em assembleia-geral, mas, devido às contingências pandémicas, essa reflexão foi adiada, até porque vamos ter eleições na AIC, também. Obviamente, temos contactado os nossos associados e a recolher alguns testemunhos, relativamente aos efeitos que a pandemia tem provocado no setor.
Há o risco de algumas publicações fecharem?
Já houve algumas publicações, mais pequenas, que fecharam portas, porque não conseguiram, devido à pandemia. No ano passado, sobretudo, houve uma paralisação dos Correios e muitas das publicações são distribuídas através do serviço postal. Essa paralisação, no pico da pandemia, arrastou-se durante algum tempo, com o confinamento, e houve alguns títulos que não conseguiram continuar. Quem estava à frente já tinha alguns anos, a idade não permitiu aguentar o impacto, a necessidade de ginástica por parte dos meios para poder ultrapassar as dificuldades.
Há necessidade de sangue novo no jornalismo de inspiração cristã?
Penso que sim, há necessidade de sangue novo, de renovação. A imprensa de inspiração cristã pode dividir-se em dois setores: um relacionado com a imprensa que versa o assunto religioso, exclusivamente, e não tem venda em banca, é através de assinatura que o órgão confessional gere e distribui – apesar de alguns terem feito, e muito bem, uma migração para o digital, de forma que haja uma evolução tecnológica, uma atualização e uma resposta à procura por parte dos leitores, tendo em conta a importância que hoje tem o digital.
Depois temos outro setor muito importante, que emprega mais gente, que é a imprensa regional. Temos títulos muito importantes no panorama nacional que são de inspiração cristã, e que têm uma marca na sociedade onde estão localizados. É necessário que haja renovação dos seus quadros, um refrescamento a nível editorial, e isso tem acontecido, na generalidade, só não acontece mais por falta de meios. Nesse aspeto, o tecido económico, a realidade económica do país condiciona em muito essa evolução, com mais qualidade, que se pede nos dias de hoje.
E ao nível do jornalismo, que consequências há a reter da pandemia? As instituições da Igreja Católica souberam adaptar-se?
Foi difícil, mas penso que, sobretudo na imprensa regional, que tem jornalistas permanente na rua a acompanhar o pulso da comunidade onde estão localizados, todos se souberam adaptar, no sentido de aproveitar as tecnologias. No confinamento, através do trabalho em casa, conseguiram rapidamente adaptar-se à realidade. Não creio que tenha havido algum jornal que tenha deixado de ser publicado, de forma constante, devido à pandemia ou devido ao confinamento.
Houve um período em que, de facto, tivemos conhecimento de títulos que não foram editados porque a gráfica ficou condicionada ou a publicidade caiu a pique, devido ao encerramento do comércio, sobretudo o de proximidade. Isso levou a que os jornais não tivessem capacidade de produzir os seus títulos, mas adaptaram-se para o online, não deixaram de produzir e não deixaram o leitor sem notícias da sua comunidade, da sua terra.
Alerto para a importância que, cada vez mais, a imprensa regional assume neste período, porque foi o órgão de comunicação que levou até às pessoas a informação concreta da realidade que se estava a viver na sua comunidade, no seu concelho, na sua região.
Face a essa importância, de que fala, o Estado foi a tempo de cumprir o seu papel no apoio às publicações, neste período de pandemia?
Sim e não. O “sim” devemo-lo ao Presidente da República, que alertou para a importância da imprensa, sobretudo da imprensa regional, e deu esse eco no país, tendo recebido inclusivamente os responsáveis de várias associações ligadas à comunicação social, da imprensa, da rádio, da televisão, entre as quais a AIC. Foi motivador, de facto, ter esse apoio do chefe de Estado.
Da parte do Estado houve uma iniciativa importante que a AIC já há muito vinha defendendo e que em boa hora o Governo pôs em prática, que foi a aplicação da lei da publicidade institucional, com a compra antecipada de publicidade do Estado aos órgãos de informação nacionais, entre os quais figuraram também os da imprensa regional e da AIC. Isso foi importante, ainda que tenha demorado muito tempo até que a medida fosse implementada, só quase no final do ano passado é que essa verba chegou -, ainda que não tenha sido um volume muito grande, mas foi uma ajuda substancial. Houve órgãos de comunicação social que, pela primeira vez, receberam publicidade institucional do Estado.
Talvez nem todos tenham essa perceção, mas existe uma legislação que diz que parte da publicidade do Estado deve ser investida nos órgãos de comunicação social regionais e locais, sejam rádios, jornais ou portais. Isso raramente acontecia, mas com esta campanha contribuímos ativamente, juntamente com a Associação Portuguesa de Imprensa, e ajudamos o Governo, a pedido deste, a montar esta operação que permitiu que, no final do ano, muitos órgãos de comunicação social recebessem o apoio financeiro do Estado. Não foi uma esmola, foi um serviço, a contrapartida de um serviço que não comprometeu em nada a independência de cada um destes órgãos.
Diz-se que uma imprensa muito dependente de apoios não é totalmente livre. Publicou um artigo há um ano em que pergunta por que deve o Estado apoiar a Imprensa? E em que garante a independência dos títulos. Mas, a realidade, não será um pouco diferente?
Continuo com toda a certeza de que não foi esta publicidade do Estado que veio modificar o quer que seja ao nível da independência dos títulos da imprensa regional.
Esqueçamos esta questão em particular. Mas em tese, esta dependência que, por norma se entende, não pode criar essa realidade em que a dependência constitui falta de liberdade para…?
Vejamos ao contrário, que penso que talvez seja mais elucidativo. Desde que os jornais ou as rádios de cariz comercial foram fundados, a principal fonte de receita que permite o seu funcionamento é a publicidade. Tem sido assim ao longo dos anos; sempre foi. O perigo de um órgão de comunicação social estar dependente e ficar condicionado na sua forma de agir, e estar e comprometer o seu projeto editorial é quando essa receita de publicidade vem de um só lado. Ou seja, se vier, em tese só do Estado, em tese admite-se que esse órgão de comunicação ficará dependente do Estado. Mas não é isso que acontece.
Os órgãos de comunicação social, a imprensa regional tem um múltiplo leque de receitas, que são poucas, mas são distribuídas. Não é este apoio do Estado, ao contrário do que muitos podem fazer crer, que leva a que um jornal fique dependente.
A mim preocupa-me mais quando numa comunidade, num concelho pequeno, com um comércio tradicional muito débil - que é o grande suporte publicitário de um jornal regional ou de uma rádio local - quando esse tecido desaparece e apenas os anúncios da câmara municipal daquele concelho passam a ser o suporte financeiro daquele órgão de comunicação social. Aí é que eu fico preocupado.
Essa dependência é que pode condenar a independência?
Essa dependência é que pode deixar a publicação ficar refém. Daí que defenda que o Estado e nós apresentamos em sede da Assembleia da República uma proposta que foi aprovada pelo Parlamento no âmbito do aumento da comparticipação do regime de comunicação das entidades públicas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social [ERC], no âmbito das campanhas de publicidade institucional, para que haja mais transparência e mais apoios. Nesse sentido advogamos que, quanto mais houver esta publicidade institucional, mais fortes estão os meios de comunicação social, os jornais regionais, e mais independência têm relativamente a tudo o que seja exterior ao próprio jornal.
A universalização do acesso à comunicação, o tempo do digital também proporcionam o avanço das “fake news” (notícias falsas). Que papel está reservado à Associação de Imprensa Cristã no combate a este fenómeno?
Temos procurado contribuir junto do Estado, porque é quem tem também meios, de forma a que possam ser criadas mais condições no combate à iliteracia que consideramos que é, neste momento, o problema número um relativamente à comunidade no acesso à informação. Há muitas pessoas que não conseguem distinguir o que é uma “fake news”, o que é um post numa rede social, de uma informação jornalística que é uma informação credível e certificada.
Nesse sentido, a própria AIC desenvolveu uma campanha juntamente com a API [Associação Portuguesa da Imprensa] e com o patrocínio da Visa Press, que é a cooperativa que gere os direitos de autor na imprensa. E desenvolvemos este ano, como o ano da imprensa regional, uma campanha em que todos defendem ou devem defender que é preciso manter a imprensa regional. Isto numa ótica de valorizar a informação certificada, de proximidade para de facto combater as chamadas “fake news”, a propaganda que só contribui para minar o Estado de Direito, só contribui para minar as instituições, minar a nossa sociedade e para beneficiar pequenos grupos. E nesse sentido estamos muito focados e com muita atenção relativamente a esta forma de podermos combater as “fake news”.
As Jornadas de Comunicação Social vão discutir o impacto do confinamento na comunicação. Neste período considera que os jornalistas conseguiram ser voz, ou dar voz a quem sofre com a pandemia, ou o confinamento também condicionou muito a sua função?
O confinamento condicionou em muito a missão de proximidade. Temos de ser realistas e ser assertivos. Houve necessidade de os jornalistas resguardarem-se, sobretudo da imprensa regional, que são redações muito pequenas, e se um ou dois jornalistas ficassem doentes, ficava o próprio título comprometido no capítulo de não poder ser publicado. E isso são realidades que não podemos escamotear. E isso condicionou a mobilidade dos jornalistas. O jornalista durante o período do confinamento foi para a rua com muita dificuldade, mas tentou resguarda-se a si e à família trabalhando em casa. Aliás, era esse o alerta da parte das autoridades de saúde.
Mas houve capacidade de reinvenção?
Houve uma capacidade de reinvenção de, mesmo estando confinado, não deixando de procurar noticiar aquilo que se estava a passar. Quando digo a proximidade é a proximidade física. É ir ao fim da rua, é ir ao fim do bairro, é ir ao extremo do concelho, é viajar através da região para ir ao contacto com as pessoas. Obviamente, se havia este confinamento, havia um resguardo maior, mas não deixámos de focar o essencial e de darmos conta daquilo que se estava a passar.
E aliás, considero que a imprensa regional foi muito bem acolhida pelas comunidades e, sobretudo, um ponto muito importante em que o digital veio de facto contribuir em muito. Foi ao nível das comunidades portuguesas espalhadas por todo o mundo que procuraram na imprensa regional, na imprensa do seu concelho e da sua região saber como é que as pessoas estavam a viver e a corresponder a este período tão negro das nossas vidas que foi o período mais agudo da pandemia. Todos nós recebemos esse “feedback” e serviu para essa consolidação da marca da imprensa regional.
Defende a existência de um espaço de encontro e de mediação em que se possam maturar as propostas de vão surgindo na Igreja Católica? É de pensar num jornal nacional de inspiração cristã?
Sim e sim. Penso que era importante termos um jornal de âmbito nacional com a marca da inspiração cristã. Até por estas “fake news”, por estes grupos económicos que vão saltitando e apoderando-se de grandes títulos e de outros meios de comunicação, e que condicionam o espaço informativo tendo em conta a sua agenda.
A exemplo do que acontece com a Renascença, com a Ecclesia, com títulos regionais como o "Diário do Minho", que são marcas importantes na nossa sociedade e temos provas dadas de que podemos fazer um jornalismo rigoroso, mas consciente e com a atenção social, que é isso que se requer cada vez hoje em dia.